A história do ódio no Brasil

Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”

Por Fred Di Giacomo

As decapitações que chocam nos presídios eram moda há séculos e foram aplicadas em praça pública para servir de exemplo nos casos de Tiradentes e Zumbi

“Achamos que somos um bando de gente pacífica cercados por pessoas violentas”. A frase que bem define o brasileiro e o ódio no qual estamos imersos é do historiador Leandro Karnal. A ideia de que nós, nossas famílias ou nossa cidade são um poço de civilidade em meio a um país bárbaro é comum no Brasil. O “mito do homem cordial”, costumeiramente mal interpretado, acabou virando o mito do “cidadão de bem amável e simpático”. Pena que isso seja uma mentira. “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva”, explica o sociólogo Antônio Cândido. O brasileiro se obriga a ser simpático com os colegas de trabalho, a receber bem a visita indesejada e a oferecer o pedaço do chocolate para o estranho no ônibus. Depois fala mal de todos pelas costas, muito educadamente. Continuar lendo

Sem Copa Verde

Vendida como a capital da floresta, Manaus acumula decepções com as obras, que já mataram três operários e não trazem retorno para os moradores; além disso, pode decepcionar os visitantes com as marcas da degradação urbana e da desigualdade social

Por Elaíze Farias

Palafitas do Igarapé de Educandos

A arena de futebol custou aos cofres públicos mais de R$ 600 milhões e ninguém sabe o que será dela depois; a reforma do porto consumiu R$ 71 milhões de recursos federais  (via DNIT) e teve o processo de licitação contestado – as obras foram há pouco retomadas mas ainda não se sabe o porto estará pronto antes da Copa. As obras do aeroporto internacional Eduardo Gomes soterraram um curso d’água e desmataram um área protegida da capital amazonense. Os centros de treinamento – dois – não têm data para abertura.

Quando Manaus foi escolhida para sediar quatro jogos da Copa, a decisão foi saudada pela imprensa local e por políticos e um clima de euforia reinou na cidade. Uma lista de projetos que fariam parte “do legado da Copa” entrou nas agendas de discussão dos gestores públicos e passou a pautar reportagens e debates: obras de mobilidade urbana, incremento da rede hoteleira, revitalização de áreas degradadas, melhorias no transporte público. Até mesmo um projeto de geração de energia solar, que seria instalado no entorno da Arena da Amazônia, foi previsto no pacote. Continuar lendo

20 anos do Plano Real

Gustavo Franco

Na próxima sexta feira, dia 28 de fevereiro de 2014, quando começarem os trabalhos de carnaval, vamos festejar também os 20 anos da publicação da Medida Provisória nº 434, que introduziu a URV (Unidade Real de Valor), uma formidável inovação que assumiu a forma de segunda moeda nacional, porém apenas “virtual”, ou “para servir exclusivamente como padrão de valor monetário” (art. 1).

A URV era o real, desde o início. Em seu artigo 2º, a MP 434 já determinava que, quando a URV fosse emitida em forma de cédulas — e assim passasse a servir para pagamentos —, o cruzeiro real seria extinto e a URV teria seu nome mudado para real. Continuar lendo

A Aliança do Pacífico e seus progressos

O acordo de integração é o mais ambicioso e promissor das Américas

A Aliança do Pacífico (AP) é provavelmente o tema mais candente da atualidade na integração econômica da América Latina. Vejamos por quê. Criada há pouco mais de dois anos, ela prevê uma integração de grande envergadura entre Chile, Colômbia, México e Peru, e se tornou rapidamente o mais ambicioso e promissor acordo de integração nas Américas. Os encontros internacionais abordam o tema com grande interesse, como ocorreu na reunião do Fórum Econômico Mundial, no final de janeiro em Davos. Não é de se estranhar que 25 países tenham solicitado a condição de observadores da AP, entre eles Estados Unidos, Canadá, China e Japão, além de latino-americanos como Costa Rica, Panamá e Uruguai. A Costa Rica já formalizou sua solicitação de adesão à AP. Com um PIB combinado de mais de 2 trilhões de dólares, um mercado de 209 milhões de pessoas e quase 10.000 dólares de renda per capita, é um mercado muito interessante para os investidores locais e estrangeiros. Representa 35% do PIB da América Latina, maior que o Brasil em termos de população e produto interno bruto. E, como suas economias são muito abertas, a AP concentra mais de 41% do comércio da América Latina com o resto do mundo. Continuar lendo

Para blindar pré-sal, país gasta bilhões no controle da ‘Amazônia azul’

Governo começa concorrência para implantar um sistema que deve monitorar 4,5 milhões de quilômetros da costa brasileira com aparatos que incluem de radares a aviões não tripulados

Plataforma de exploração de petróleo na costa brasileira.

Com a perspectiva de uma produção diária de petróleo de 1 milhão de barris em 2017 e a probabilidade de que metade de todo produto do país venha do pré-sal, o Governo brasileiro decidiu dar mais atenção ao que acontece em suas águas.

Uma licitação coordenada pela Marinha pretende colocar em operação o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), um projeto bilionário que deve ser implementado até 2025, e envolve a compra de rádios, equipamentos de comunicação via satélite, radares aéreos, uma rede de sensoriamento acústico submarino, além de veículos aéreos não tripulados, para monitorar a costa marítima, uma área de 3,6 milhões de quilômetros quadrados que pode chegar a 4,5 milhões caso o país consiga na ONU o aumento de seu território marítimo pedido em 2004. A área é conhecida pela Marinha como “Amazônia Azul”, em referência a seu tamanho similar ao da Amazônia “verde” do país, que tem 5,5 milhões de quilômetros quadrados. Pela área, circula aproximadamente 95% do comércio exterior brasileiro por meio de importações e exportações. Continuar lendo

Entenda os protestos na Venezuela

Ala radical da oposição quer forçar presidente Maduro a deixar o poder.
Oito pessoas já morreram desde o começo das manifestações no país.

Multidão marcha em manifestação contra o governo de Maduro em Caracas, em mais um dos diversos protestos que pararam as principais cidades do país em fevereiro

A Venezuela tem enfrentado momentos de tensão desde o início de fevereiro, com protestos de estudantes e opositores contra o governo. A situação se agravou em 12 de fevereiro, quando uma manifestação contra o presidente Nicolás Maduro terminou com três mortos e mais de 20 feridos. Ao mesmo tempo em que milhares foram às ruas para criticar o governo – em um contexto de inflação, insegurança, escassez de produtos básicos e alta criminalidade –, outros milhares se manifestaram em favor de Maduro e contra os oposicionistas. Continuar lendo

Destituição de presidente agrava turbulência na Ucrânia; entenda

Ucrânia está no centro de uma disputa entre UE e Rússia

A destituição, pelo Parlamento, do presidente Viktor Yanukovych aumentou, neste sábado, a turbulência sociopolítica na Ucrânia, após uma semana de sangrentos protestos na capital Kiev.

Yanukovych recusou-se a abandonar o governo e afirmou que a medida do Parlamento – que prevê eleições em maio – é um “golpe de Estado”. Na prática, porém, a administração presidencial e a própria Kiev já estão fora de seu controle.

Ao mesmo tempo, a líder opositora e ex-premiê Yulia Tymoshenko foi libertada (após ter sido condenada, em 2011, a sete anos de prisão, por abuso de poder) e discursou a uma multidão na Praça da Independência, em Kiev, pedindo a continuação dos protestos. Continuar lendo

Zygmunt Bauman: vivemos o fim do futuro

“Para mudar o mundo, os jovens precisam trocar
o mundo virtual pelo real” – Zygmunt Bauman

Esta semana (16), o Fronteiras do Pensamento divulgou uma fala de Edgar Morin em que o filósofo francês argumenta que estamos vivendo o fim do futuro. Para Morin, a sociedade percebeu a ambivalência da ciência, da razão, da técnica e da economia e perdeu a crença nestes enquanto guias da humanidade: “A crise do futuro, a crise do progresso. A perda do futuro é muito grave porque, quando se perde a esperança no futuro surge uma sensação de angústia e de neurose”, afirma Morin.

A revista Época publicou, também esta semana (19), uma entrevista exclusiva com o filósofo polonês Zygmunt Bauman. Na conversa com o editor de cultura da Época, Luís Antônio Giron, Bauman, considerado um dos pensadores mais eminentes do declínio da civilização, fala sobre como a vida, a política e os padrões culturais mudaram nos últimos 20 anos.

As instituições políticas perderam representatividade porque sofrem com um “deficit perpétuo de poder”. Na cultura, a elite abandonou o projeto de incentivar e patrocinar a cultura e as artes. Segundo ele, hoje é moda, entre os líderes e formadores de opinião, aceitar todas as manifestações, mas não apoiar nenhuma. Leia a entrevista abaixo ou confira no site da Época. Ao final do texto, acrescentamos a entrevista exclusiva que Bauman concedeu a Fernando Schüler e Mário Mazzilli, na Inglaterra, para o Fronteiras do Pensamento. Continuar lendo

A estratégia da Rússia e a inércia dos EUA no Egito, na Síria e na Líbia

2014 começou mal para a Casa Branca, que teve de baixar seu elmo imperial diante da Rússia, primeiro nas reuniões do Conselho de Segurança da ONU e depois nas negociações sobre a Síria; na região, o Egito voltou a se relacionar com a Rússia, enquanto na Líbia, o principal aliado dos EUA saiu do cenário político após o fracasso da intentona golpista de 13 de fevereiro

Achille Lollo

Quando o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, declarou diante das câmaras da CNN e da CBS que não seria mais candidato à sucessão de Obama, todo o mundo entendeu que algo estava acontecendo na cúpula do Partido Democrata, em função da inércia política com a qual Barack Obama e o próprio John Kerry se empenharam nas questões internacionais e em particular no Oriente Médio.

Uma inércia que por um lado tomou conta da diplomacia estadunidense, sobretudo após o escândalo da espionagem da NSA e que, por outro lado, engessou a dinâmica geoestratégica que o próprio Obama queria introduzir nas principais áreas críticas, nomeadamente: o Egito, a Síria e a Líbia. Continuar lendo