O que ensinar em Geografia

O ensino de Geografia do 1º ao 5º ano deve se apoiar em saídas de campo, leitura de textos de todos os gêneros e na produção e interpretação de mapas

Anderson Moço

CARTOGRAFIA  Conhecer territórios e suas representações é um dos objetivos da análise de mapas

CARTOGRAFIA Conhecer territórios e suas representações é um dos objetivos da análise de mapas

O homem do século 21 revê o seu relacionamento com o meio ambiente e estuda as consequências de sua interação desmedida com a natureza. As fronteiras políticas se alteram por acordos ou guerras. A globalização aproxima, ao mesmo tempo que coloca em conflito diferentes povos. Com tudo isso, a maneira de ensinar a ciência que estuda a Terra e suas transformações também se modifica. A Geografia tem passado por amplas tentativas de renovação para conseguir formar estudantes capazes de compreender as relações entre a sociedade e a natureza. Nessas idas e vindas, foram criados caminhos e, às vezes, também equívocos. Hoje existem três perspectivas de ensino que, segundo os especialistas, devem ser trabalhadas de forma complementar para que o espaço – principal objeto de estudo da disciplina – seja bem compreendido: a perspectiva tradicional, a crítica e a cultural.

Quando o foco da Geografia estava nas descrições físicas dos lugares, os estudos se concentravam em identificar os componentes da paisagem (tipos de vegetação, relevo e clima), o número de habitantes e o nome de cidades e rios importantes que banham a região. Essa abordagem, chamada de tradicional, era “a ciência dos lugares e não dos homens”, na definição do francês Vidal de La Blache (1845-1918). “Acreditava-se que, se os alunos conhecessem as características físicas do território, desenvolveriam uma consciência de nação”, conta Francisco Capoano Scarlato, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.

Na década de 1960, alguns geógrafos, em especial os franceses, passaram a defender que o estudo deveria se posicionar criticamente frente à realidade e à ordem constituída – e o geógrafo ser um agente de transformação social. Assim, a disciplina se aproximou das ciências políticas. “Era a corrente crítica se opondo à tradicional. As principais características dessa concepção eram estudar o homem interagindo sobre o meio e conceber as relações sociais e de trabalho como decisivas na transformação do território”, explica Marcos Bernardino de Carvalho, coordenador da pós-graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nela, cabe ao professor mostrar os problemas sociais e, ao mesmo tempo, despertar nos alunos a consciência sobre seu papel como cidadãos ativos na resolução dos problemas locais e gerais.

Uma das respostas a essa questão veio de pesquisadores que se debruçaram sobre o estudo da Geografia cultural – corrente criada na Alemanha no fim do século 19. Ela defende um relacionamento mais próximo com ciências como História, Antropologia, Sociologia, Filosofia e Psicologia, tendo foco na cultura e nas representações que o homem faz de si, dos outros e do espaço. “O valor que as pessoas atribuem à mata próxima da casa, ao shopping onde fazem compras ou às praças é levado em conta para retratar a realidade”, explica Roberto Lobato Correa, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Muitos educadores acharam que a análise da relação do homem com seu meio aprofundaria o conhecimento sobre os territórios. A capacidade dos alunos de compreender o mundo e dar significado ao que se aprende na disciplina, aproximando o conhecimento escolar das próprias vidas, também seria facilitada. Afinal, no mundo globalizado são a cultura e as manifestações locais que garantem a noção de pertencimento a um lugar.

Uma das respostas a essa questão veio de pesquisadores que se debruçaram sobre o estudo da Geografia cultural – corrente criada na Alemanha no fim do século 19. Ela defende um relacionamento mais próximo com ciências como História, Antropologia, Sociologia, Filosofia e Psicologia, tendo foco na cultura e nas representações que o homem faz de si, dos outros e do espaço. “O valor que as pessoas atribuem à mata próxima da casa, ao shopping onde fazem compras ou às praças é levado em conta para retratar a realidade”, explica Roberto Lobato Correa, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Muitos educadores acharam que a análise da relação do homem com seu meio aprofundaria o conhecimento sobre os territórios. A capacidade dos alunos de compreender o mundo e dar significado ao que se aprende na disciplina, aproximando o conhecimento escolar das próprias vidas, também seria facilitada. Afinal, no mundo globalizado são a cultura e as manifestações locais que garantem a noção de pertencimento a um lugar.

União de abordagens

Nas escolas brasileiras, a perspectiva tradicional, a crítica e a cultural dividem espaço nas salas de aula (leia o quadro acima). E isso é positivo. Para falar do rio que passa pela cidade, por exemplo, o professor pode começar pelo estudo da nascente e dos municípios que ele banha, abordando o conceito de mata ciliar (análise descritiva da perspectiva tradicional); trabalhar o impacto da produção industrial e as dificuldades econômicas dos ribeirinhos (relação entre a economia e as consequências sociais defendidas pela perspectiva crítica); pedir pesquisas sobre a relação da população com o curso d’água e a importância para a cultura local (objetos de estudo da perspectiva cultural).

Para quem dá aulas, o desafio é se preparar, buscando vivência cultural e formação embasada em teorias, com o domínio das didáticas específicas (leia entrevista abaixo). “Para que os alunos compreendam as transformações no território e relacionem os conteúdos estudados ao que viram na televisão ou a algo que ocorreu na vizinhança, eles precisam entrar em contato com conceitos estruturantes da área, como paisagem, lugar e território”, destaca Levon Boligian, autor de livros didáticos.

Mitos pedagógicos

Com as mudanças nas metodologias de ensino, muitas práticas foram colocadas em segundo plano, quando ainda deveriam figurar como estratégias de ensino:

Geografia está só no livro didático
Não. Ela está presente no noticiário, nas grandes obras literárias etc. Todas as fontes são úteis para aumentar a percepção do aluno.

Evitar mapas de contorno
Transformar a cartografia em atividade mecânica não é o ideal. Mas os alunos precisam conhecer as formas de continentes, países e estados. Os contornos devem entrar dentro de uma seqüência de atividades que garanta a compreensão da cartografia.

Não é preciso memorizar
Mentira. É importante que os alunos saibam nomear capitais, estados e rios que banham a região. Cabe ao professor dar sentido à memorização.

Ajuda tecnológica

A disciplina tem como uma de suas principais ferramentas a cartografia. Logo, nenhum estudo dessa área será completo se a criança não souber interpretar e produzir mapas. Essa alfabetização cartográfica começa nas séries iniciais (com a confecção de planos da sala de aula ou da escola e de mapas do tesouro) e perpassa toda a escolaridade. “Os desenhos de observação são essenciais em Geografia. Com a intervenção do professor, a garotada entende que as noções espaciais são usadas por todas as pessoas diariamente e que é possível representar a realidade de uma maneira que todos entendam”, ressalta Sueli Furlan, selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. O aprendizado dessa linguagem comum se dá quando as noções topológicas (perto e longe, alto e baixo, por exemplo) e de proporção, redução e escala são trabalhadas em sala de aula, assim como o significado das legendas e dos símbolos que representam a paisagem.

Mas as atividades de cartografia ganham outra dimensão com o uso da tecnologia. “Páginas gratuitas na internet, como as do Google Earth, proporcionam a visualização das cidades, permitindo a localização de lugares”, exemplifica Levon Boligian. Uma idéia é dar coordenadas geográficas para que os alunos encontrem no globo o ponto correspondente, levando-os a ref letir sobre o significado de cada número. “Com uma seqüência de atividades bem elaborada, a turma vai entender latitude e longitude e a importância da divisão do planeta em linhas de localização”, diz Bolivian. Já no estudo sobre a ocupação de regiões, esse mesmo programa permite comparar imagens. Fotos aéreas de São Paulo e de uma cidade africana, por exemplo, levam à reflexão sobre as diferentes formas de ocupar e organizar o espaço, revelando um pouco da cultura desses lugares.

Apesar da importância da cartografia, a observação continua sendo a essência do trabalho do geógrafo. Por isso, as saídas a campo estão cada vez mais presentes no planejamento das aulas. “Nelas, o estudante colhe informações que garantirão a compreensão da realidade”, destaca Sueli Furlan. Esse tipo de estudo não requer viagens longas: pode ser realizado no bairro ou em uma visita ao centro da cidade. Porém é fundamental haver uma orientação clara do professor na produção de pautas de observação e na escolha de materiais que permitam detectar as mudanças ocorridas no local, como fotos antigas, mapas e ilustrações.

Leituras múltiplas

Ler é um procedimento fundamental em Geografia. O contato com diversos gêneros, literários e informativos, faz com que a garotada aprenda a buscar informações em várias fontes. “A literatura ajuda as crianças a perceber o contexto no qual aquele espaço está inserido e a desenvolver a capacidade de descrever os lugares, destacando as características mais importantes de acordo com a intenção”, explica Sueli. Indicar a leitura de grandes nomes da literatura é um ótimo caminho para desenvolver o imaginário do aluno, sair da visão puramente científica da disciplina e lembrar que a Geografia tem uma ligação humana e prática.

Todo o esforço de unir as perspectivas tradicional, crítica e cultural na sala de aula, e juntar a elas os recursos adequados para ensinar, tem como finalidade fazer com que o estudante avance nos conhecimentos geográficos (leia o quadro abaixo) e perceba quanto eles são aplicados no dia-a-dia, seja no mapa mental elaborado quando ele vai de casa para a escola, seja na observação e na compreensão dos costumes locais. “A idéia é fazer os jovens entenderem que ser cidadão é também ter o sentimento de pertencer a uma realidade na qual as interações entre a sociedade e a natureza formam um todo que está constantemente em transformação”, acredita Sueli.

5 perguntas  Alexandre Orsi

Professor de Geografia de 6ª série em Londrina, a 370 quilômetros de Curitiba, conta como mudou a maneira de ensinar a disciplina. Foto: Paulo Wolfgang
Professor de Geografia de 6ª série em Londrina, a 370 quilômetros de Curitiba, conta como mudou a maneira de ensinar a disciplina

Qual era a perspectiva dominante no ensino de Geografia quando você se formou?
Nos anos 1990, meus professores trabalhavam com a abordagem crítica, mas a Geografia tradicional ainda fazia parte de nossa prática.

Quando sua atuação mudou?
Assim que comecei a dar aulas, fiz cursos de formação nos quais aprendi a perspectiva cultural.

O que você aprendeu?
A conhecer a visão dos alunos sobre o lugar e a fazer com que eles relacionem o conhecimento escolar à própria vida.

Que recursos você usa?
Utilizo mapas e a descrição física dos lugares, estabelecendo conexões entre os conteúdos e o que eles observam no dia a dia.

Como a cultura é abordada?
Para que os estudantes compreendam o lugar onde vivem, mostro a transformação do espaço ao longo do tempo, de acordo com os traços culturais de antes e de hoje.

Linha do tempo do ensino de Geografia no Brasil

1837  O Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, é a primeira escola brasileira a incluir Geografia nas disciplinas obrigatórias. A intenção é criar uma elite nacional capaz de ocupar quadros políticos e administrativos.

1900  A área ganha espaço nas escolas de todo o país. Acredita-se que, conhecendo as características físicas do local, o sentimento de nacionalismo e patriotismo será despertado nos estudantes.

1905  O livro Compêndio de Geografia Elementar, de Manuel Said Ali Ida (1861-1953), propõe o estudo do Brasil por regiões, abrindo espaço para melhor conhecer o território nacional.

1934  O departamento e o curso superior de Geografia são criados na Universidade de São Paulo. A maioria dos professores era da escola francesa e defendia a abordagem tradicional.

1966  O livro Geografia do Subdesenvolvimento, de Yves Lacoste, é lançado no Brasil. Com a publicação, as teorias da Geografia crítica começam a ecoar em todo o país.

1971  Durante o período militar, Geografia e História são aglutinadas na disciplina Estudos Sociais. O governo acredita que o conhecimento dessas áreas é uma ameaça à hegemonia nacional.

1978  Milton Santos (1926-2001), considerado o maior geógrafo do Brasil, publica o livro Por Uma Geografia Nova, no qual preconiza a importância do estudo das questões sociais.

1990  Com a pesquisa que mostrou a deficiente formação dos estudantes americanos, se inicia um debate sobre o papel da disciplina no século 21 e os reais objetivos de aprendizagem.

1993  Inaugurado o Núcleo de Pesquisa Sobre Espaço e Cultura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que divulga estudos e pesquisas realizados de acordo com essa abordagem.

1998  A publicação dos PCNs lista os objetivos da disciplina. Os alunos precisam compreender as relações entre a formação da sociedade e o funcionamento da natureza com base na paisagem.

FONTES: PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS), O ENSINO DE GEOGRAFIA NO SÉCULO XXI, DE JOSÉ WILLIAN VESENTINI, E ROBERTO LOBATO CORRÊA

Metodologias mais comuns no ensino de Geografia

Até meados de 1970, o ensino da disciplina era ancorado apenas em uma abordagem. Depois, duas novas correntes surgiram.

TRADICIONAL
Tem como principais nomes o alemão Friedrich Ratzel (1844-1904) e o francês Vidal de La Blache (1845-1918). A natureza é o mote do estudo.
FocoDescrever o território e conhecer características físicas, número de habitantes, língua oficial e capitais de estados e países.
Estratégias de ensino Aulas expositivas apoiadas no conhecimento enciclopédico, que dever ser decorado.

CRÍTICA
Surgiu no período pós-Guerra Fria propondo uma postura questionadora, com o homem como principal objeto de estudo. Os principais pensadores, como o francês Yves Lacoste, defendem uma mudança da realidade social.
Foco Formar militantes que lutem para transformar a estrutura social. Conhecer a natureza e as mudanças no espaço ocorridas em decorrência das relações de trabalho e da luta de classes.
Estratégias de ensino Debates e discussões sobre a realidade social mediados pelo professor. Saídas a campo, contato com a realidade e problematização de temas sociais.

CULTURAL
Fundada em 1890 pelo alemão Otto Schlüter (1872-1959). As relações e os significados que os homens atribuem ao espaço, à história e à cultura locais são elementos importantes para a compreensão da Geografia.
Foco Conhecer sentimentos, representações e idéias que um grupo tem do lugar com base nas experiências pessoais. A distribuição das manifestações culturais é objeto de estudo.
Estratégias de ensino Moradores locais e os alunos são fontes de informação. Ênfase em saídas a campo, debates e análises.

Expectativas de aprendizagem em Geografia do 1º ao 9º ano

As orientações curriculares da prefeitura de São Paulo recomendam que, ao fim do 5º ano, os alunos sejam capazes de:

– Comparar mapas e imagens que caracterizam bairros e cidades.
– Reconhecer representações gráficas de objetos cotidianos na perspectiva vertical e oblíqua.
– Apontar dados sobre a população em representações pictóricas e mapas temáticos.
– Identificar as diferentes contribuições culturais na formação da população brasileira.
– Reconhecer os lugares da cidade por meio da leitura de mapas.
– Perceber as paisagens, o ritmo dos bairros, as transformações dos espaços físicos e as relações sociais.
– Elaborar mapa, localizando diferentes tipos de indústrias na região e no município.
– Conhecer o processo de urbanização, tendo como referência os elementos do cotidiano e o modo de vida.
– Identificar o sistema de abastecimento de água na cidade e relacioná-lo com a quantidade de chuva que cai ao longo do ano.
– Saber sobre a importância do saneamento básico, confrontando-o com o compromisso social e o direito do cidadão.

O documento prevê ainda que os alunos do 9º ano saibam:

– Relacionar as implicações socioambientais do uso das tecnologias em diferentes contextos históricogeográficos e comparar processos de formação socioeconômica.
– Identificar e compreender a importância dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando transformações naturais com a intervenção humana.
– Apontar os significados históricos da geopolítica, considerando as relações de poder entre as nações, e compreender e analisar o papel dos blocos econômicos e geopolíticos, tendo como referência a divisão internacional do trabalho.
– Identificar diferenças e relações entre o local em que se vive e a pluralidade de lugares existentes, percebendo o direito dos povos como elemento de fortalecimento da sociedade democrática.
– Entender a construção do meio geográfico e o papel das sociedades na constituição do território, da paisagem e do espaço.
– Analisar as diferentes formas de produção, circulação e consumo para compreender a organização política e econômica das sociedades.
– Ler e interpretar mapas e imagens, relacionando-os com questões da realidade mundial para compreender os conceitos de Estado e território.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Do Desenho ao Mapa: Indicação Cartográfica na Escola
, Rosângela Doin de Almeida, 120 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838 , 19,90 reais
Geografia em Perspectiva, Nídia Nacib Pontuschka e Ariosvaldo Umbelino de Oliveira (orgs.), 384 págs., Ed. Contexto, 47 reais
Geografia: Pequena História Crítica, Antonio Carlos Robert Moraes, 130 págs., Ed. Annablume, tel. (11) 3812-6764 , 22 reais
Introdução à Geografia Cultural, Roberto Lobato Correa e Zeny Rosendahl (orgs.), 224 págs., Ed. Bertrand Brasil, tel. (11) 3286-0802 , 35 reais
O Ensino de Geografia no Século XXI, José Willian Vesentini, 288 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272-4500 , 49,90 reais

 

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/geografia/fundamentos/mundo-dentro-fora-escola-426476.shtml?page=0

Deixe um comentário