América Latina desperdiça 15% dos alimentos que produz

A região perde 80 milhões de toneladas por ano, 6% do total global de perdas

Um agricultor paraguaio com grãos de bico.

Quantas vezes por semana você joga restos de comida ou alimentos estragados no lixo?

Talvez você pense melhor nisso quando souber que na América Latina, onde milhões de crianças sofrem desnutrição crônica, se perdem 15% dos alimentos que é produzido a cada ano, ou cerca de 80 milhões de toneladas.

Do ponto de vista da nutrição, isto significa que se desperdiça uma quarta parte dos componentes energéticos -ou 450 quilocalorias- que uma pessoa precisa diariamente para viver. Continuar lendo

Wallerstein: crise dos “emergentes” ou do Sistema?

Novas turbulências sugerem: vivemos época de bifurcação. Em declínio, capitalismo será superado – por algo bem melhor ou bem pior que ele…

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins

Não faz muito tempo, os “especialistas” e os investidores viam os “mercados emergentes” – um eufemismo para China, Índia, Brasil e alguns outros – como salvadores da economia-mundo. Eram eles que iriam sustentar o crescimento e, portanto, a acumulação de capitais, quando os EUA, a União Europeia e o Japão declinavam, em seu papel tradicional de pilastras do sistema capitalista global.

Por isso, é chocante que, nas duas últimas semanas de janeiro, o Wall Street Journal (WSJ), Financial Times (FT), o Main Street, a agência Bloomberg, o New York Times (NYT) e o Fundo Monetário Internacional tenham, todos, soado o alarme sobre o “colapso” destes mesmos mercados emergentes; e que tenham advertido, em especial, sobre a deflação, que poderia ser “contagiosa”. Tive a impressão de que estão em pânico, quase indisfarçável. Continuar lendo

Os acidentes de trânsito serão a nova praga do mundo emergente

A OMS calcula que os desastres viários causarão dois milhões de mortes em 2030 nos países em desenvolvimento e alcançarão a Aids como causa de óbitos

Carros e pedestres em Lagos, Nigéria.

Os acidentes de trânsito estão a ponto de se converter na nova epidemia dos países pobres e em vias de desenvolvimento. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deu o alarme. Se não se fizer nada para frear a tendência, as mortes anuais nas vias de circulação dessas áreas do mundo chegarão a dois milhões em 2030, e os acidentes de trânsito se situarão no mesmo nível que as mortes por Aids, que é uma das principais causas de mortalidade no mundo em desenvolvimento. Os acidentes, além do mais, implicam num gasto público equivalente “a 2% do PIB dos países desenvolvidos e até 5% nos demais”, segundo Steve Lowson, da ONG britânica Programa de Qualificação Internacional das Estradas (iRAP, na sigla em inglês). Continuar lendo

A emergência dos emergentes

Há apenas alguns anos os emergentes eram um pilar da economia mundial; agora, são uma ameaça

Os países emergentes são como os adolescentes: propensos aos acidentes. Caem, escorregam, se empurram, correm riscos desnecessários… Lógico que, tal como demonstraram há pouco os EUA e a Europa, às vezes as nações maduras também se comportam de maneira imatura. Seus acidentes são menos frequentes, mas quando acontecem são de enormes proporções. O mundo ainda está pagando com o desemprego e a pobreza as irresponsáveis audácias financeiras de bancos, Governos e consumidores dos países mais ricos. E agora surge uma crise nos emergentes, esses países de menores rendimentos cujas economias e o bem-estar da população vinham expandindo a um ritmo sem precedentes.

Há duas perguntas de cujas respostas depende o prognóstico da economia mundial. Primeira: contagiarão as economias emergentes as economias dos países desenvolvidos ? Segunda: os investidores diferenciarão os países emergentes “bons” dos “maus”? Em outras palavras, retirarão seu dinheiro e deixarão de investir por um tempo em todos os países emergentes sem fazer distinções ou serão seletivos? Mas o que significa “mau” ou “bom” neste caso? Um governo “mau” é aquele que sofre de necrofilia ideológica: um apaixonado amor por ideias mortes; por enfoques que foram provados e que fracassaram repetidamente, mas pelos quais os poderosos sentem uma irresistível atração. Um governo “bom”, em mudança, aprende com os erros e tende a adotar políticas que dão resultados e são sustentáveis no tempo. Continuar lendo

O Brasil, os EUA e o “Hemisfério Ocidental” (2)

Henry Kissinger encontra Augusto Pinochet: nos anos 1970, EUA substituíram proposta de intervenção militar, em caso de ameaça à sua hegemonia na América do Sul, por forma mais sutil de intervenção civil e militar “interna”

Para diplomacia norte-americana, manter supremacia sobre América do Sul continua sendo essencial. Por isso, prosseguirá tentativa de enfraquecer governos que Washington vê como “populistas”

Por José Luís Fiori

“A new form of nationalism may emerge, seeking national or regional
identity by confronting the United States. In its deepest sense,
the challenge 
of Western Hemisphere policy for the United States is
whether it can help bring about the world
envisioned by Free Trade Area of the Americas,
or whether the Western Hemisphere, for the first time in its history,
will break up into competing blocs;
whether democracy and free markets
will remain the dominant institutions
or whether there is a gradual relapse into populist authoritarianism.”

Henry. Kissinger “Does America Need a Foreign Policy?”

Henry Kissinger foi um formulador estratégico menos original do que Nicholas Spykman, mas em compensação ocupou inúmeras posições de governo e participou de algumas decisões internacionais que o transformaram numa das figuras mais importantes da política externa norte-americana, da segunda metade do século XX. Ele deixou a academia e se transformou em conselheiro governamental, no primeiro governo de Eisenhower, em 1953, e manteve presença nos governos republicanos até o final das administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, de quem foi Conselheiro de Segurança, e Secretario de Estado, respectivamente. Neste último período, Henry Kissinger teve papel decisivo na redefinição da estratégia internacional dos EUA, depois da crise econômica do início dos anos 70, e depois da derrota americana no Vietnã, em 1973. Foi quando ele concebeu ou participou de algumas decisões norte-americanas que deixaram marcas profundas na história da diplomacia internacional. Entre elas, a das negociações de paz, no Vietnã, que levaram à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e a das negociações secretas com Chou en Lai e Mão Tse Tung , em 1971 e 1972, que levaram à reaproximação dos Estados Unidos com a China, e a reconfiguração completa da geopolítica mundial antes e depois do fim da Guerra Fria. Continuar lendo

O porto de Mariel, Brasil, Cuba e o socialismo

Com Mariel, Brasil rompe concretamente o bloqueio imperialista contra Cuba, disse o marinheiro aposentado Jorge Luis, que já esteve em portos brasileiros.

Beto Almeida (*)

Havana – Tem sido extremamente educativo registrar, aqui em Havana, a reação do povo cubano diante da inauguração do Porto de Mariel. Expressando um elevado nível cultural, uma mirada política aprofundada sobre os fenômenos destes tempos, especialmente sobre a Reunião de Cúpula da Celac que se realiza por estes dias aqui na Ilha, tendo como meta central, a redução da pobreza, os cubanos revelam, nestas análises feitas com desembaraço e naturalidade, todo o esforço de 55 anos da Revolução Cubana feita na educação e na cultura deste povo.

Mariel, uma bofetada no bloqueio 

Poderia citar muitas frases que colhi ao acaso, conversando com os mais diversos segmentos sociais, faixas etárias distintas, etc, mas, uma delas, merece ser difundida amplamente. O marinheiro aposentado Jorge Luis, que já esteve nos portos de Santos e Rio de Janeiro, que vibra com o samba carioca, foi agudo na sua avaliação sobre o significado da parceria do Brasil com Cuba para  construir o Complexo Portuário de Mariel. “ Com Mariel,  Brasil rompe concretamente o bloqueio imperialista contra Cuba”, disse. E adverte: “ Jamais os imperialistas vão perdoar Lula e Dilma”. Ele não disse, mas, no contexto do diálogo com este marinheiro negro, atento ao noticiário de televisão, leitor diário de jornal, informado sobre o que ocorre no Brasil e no mundo,  estava subentendido, por sua expressão facial, que ficava muito claro porque Dilma é alvo de espionagem dos EUA. Continuar lendo

O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”

Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente no século XX. Em que medida proposição prevalece?

Por José Luis Fiori

As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos. 

E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente 
tenham que ser chamadas igualmente de América, 
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem

N. Spykman, “America´s Strategy in World Politics”

Tudo indica que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século. Continuar lendo

O Brasil e seu “Mar Interior”

Grupo de ataque da marinha dos EUA: para Fiori, Brasil “tem, hoje, capacidade para explorar recursos — mas não, para defender soberania no Atlântico Sul”

Além do petróleo, país vê no Atlântico Sul espaço para projetar-se rumo à África. Mas EUA e Grã-Bretanha querem controlar militarmente oceano

Por José Luís Fiori

Situado entre a costa leste da América do Sul e a costa oeste da África Negra, o Atlântico Sul ocupa um lugar decisivo do ponto de vista do interesse econômico e estratégico brasileiro: como fonte de recursos, como via de comunicação e como meio de projeção da influência do país no continente africano. Além do “pré-sal” brasileiro, existem reservas de petróleo na plataforma continental argentina e na região do Golfo da Guiné, sobretudo na Nigéria, Angola, Congo, Gabão e São Tomé e Príncipe. Na costa ocidental africana, também existem grandes reservas de gás, na Namíbia, e de carvão, na África do Sul; e na bacia atlântica, acumulam-se crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos (contendo ferro, zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e fósforo, entre outros minerais relevantes. Já foram identificadas grandes fontes energéticas e minerais, na região da Antártica. Além disto, o Atlântico Sul é uma via de transporte e comunicação fundamental entre o Brasil e a África, e é um espaço crucial para a defesa dos países ribeirinhos, dos dois lados do oceano. Continuar lendo

Um ano difícil para os governos progressistas da América Latina

Chega ao fim um ano que apresentou importantes dificuldades para os governos progressistas de nossa região. O caso mais emblemático é o venezuelano.

Ariel Goldstein

Chega ao fim um ano que apresentou importantes dificuldades para os governos progressistas de nossa região. Ao final do ano, o triunfo de Michelle Bachelet no Chile foi uma das poucas notícias positivas para a esquerda regional. O caso mais emblemático no que diz respeito à debilidade que mostram certos processos políticos é o venezuelano. A polarização vivida no país, a política de trincheiras entre chavistas e antichavistas, acentuada a partir da vitória apertada de Nicolas Maduro nas eleições de 14 de abril, se soma a uma crise econômica com efeitos inflacionários, de modo que será preciso seguir observando esse processo político com atenção para avaliar as suas possibilidades de continuidade.

No Equador, no início do ano, houve uma vitória folgada de Rafael Correa nas eleições presidenciais. Correa é uma liderança que combina o manejo de qualidades tecnocráticas com as virtudes do líder carismático, duas condições difíceis de encontrar juntas. A direção do processo político equatoriano encontra-se firme. Continuar lendo

Diplomacia “made in Brazil”

Reconhecido, no passado, por posições pacifistas e avesso às polêmicas, casos recentes evidenciam um novo modo de atuação do governo brasileiro nas relações internacionais

Maurício Barroso

A diplomacia brasileira ganhou as manchetes da grande imprensa após o resgate, no dia 23 de agosto deste ano, do senador boliviano Roger Pinto Molina do confinamento de 455 dias na embaixada em La Paz, pelo diplomata brasileiro Eduardo Saboia. Segundo alguns analistas e também de acordo com alguns editorias de jornais, o caso demonstra uma mudança de atuação do Ministério das Relações Exteriores, também conhecido como Itamaraty. Anteriormente reconhecido por suas posições pacifistas e estritamente jurídicas, ultimamente, o órgão tem sido mais “agressivo” nas relações bilaterais.

O caso gerou atrito diplomático entre Brasil e Bolívia e culminou com a demissão do então ministro das Relações Exteriores, o chanceler Antônio Patriota, que comentou desconhecer a ação de resgate de Molina. Além da operação de retirada do senador boliviano, outros acontecimentos são apontados, por analistas políticos, como uma diplomacia de ocasião. Por exemplo, a expropriação da refinaria da Petrobras na Bolívia, quando não houve esforços por parte do governo brasileiro para impedir a ação; a retirada do Paraguai do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a não extradição do italiano Cesare Battisti, condena- do por homicídio naquele país. Continuar lendo