Ser de esquerda na era neoliberal

Ser de esquerda hoje é lutar contra a modalidade assumida pelo capitalismo no período histórico contemporâneo, é ser antineoliberal, em todas as suas modalidade

por Emir Sader

Um instituto que fez a pesquisa e os editorialistas da velha mídia se enroscaram nos seus resultados, sem entender o seu significado. Afinal, se a maioria dos brasileiros é de direita – parte que vota na Dilma e parte que vota na oposição –  porque a direita tem perdido sempre e continuará a perder as eleições? Por que os políticos mais populares do pais são Lula e Dilma e os mais impopulares FHC e Serra?

Uma primeira interpretação, apressada, é que se trataria de um governo de direita, daí receber o voto de setores que se dizem de direita. O país viveria um êxtase direitista, em que governo e oposição não se diferenciariam, ambos de direita. Tese tão a gosto da ultraesquerda e de setores da direita, ambos adeptos da tese de que o PT apenas repete o que os tucanos fizeram.

Tese absurda, porque já ninguém pode negar que o Brasil mudou, mudou muito e mudou para melhor depois dos governos tucanos e nos governos petistas. Como ninguém nega o destino contraposto que o povo reservou para o Lula e para o FHC, como consequência das mudanças entre um governo e outro. Continuar lendo

Hiperglobalização

Expansão das transnacionais, transportes facilitados e em especial novos acordos comerciais ameaçam desencadear outra rodada de ataques a direitos sociais

Por Christophe Ventura

Segundo a expressão dos economistas Arvind Subramanian e Martin Kessler, nossas sociedades entraram em uma era de “Hiperglobalização” [1]. Entre 1980 e 2011, o volume de mercadorias comercializadas na esfera planetária foi multiplicada por quatro, o nível do comércio mundial aumentou quase duas vezes mais rápido que a produção mundial de cada ano [2]. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), “o valor em dólares do comércio global de mercadorias aumentou mais de 7% por ano em média (…), atingindo um recorde de 18 bilhões de dólares ao final deste período.” De acordo com eles, “a troca de serviços comerciais aumentou ainda mais rápido, a uma taxa anual média de aproximadamente 8%, atingindo cerca de 4 bilhões de dólares” [3].

O comércio internacional, que representava 9% do PIB mundial em 1870, 16% em 1914, 5,5% em 1939 e cerca de 15% nos anos 1970, agora equivale a 33% [4].

Mesmo afetado pela crise financeira de 2008 e suas repercussões na redução do consumo, principalmente nos Estados Unidos, na China e na Europa – o volume do comércio global cresceu 2% em 2012 contra 5,1% em 2011 (2,5% são esperados para 2013). Esse montante com força inédita na integração comercial mundial, constitui, segundo os dois pesquisadores, a primeira característica da “Hiperglobalização”. Continuar lendo

Polícia: para quê polícia?

Por que respostas da PM e governos, diante das manifestações e “black-blocs”, sugerem desejo de fechamento autoritário

Por Tânia Caliari,

Desde que começaram as manifestações de junho, um elemento perturbador insinuou-se no cenário brasileiro: o comportamento errático das PMs – especialmente as de São Paulo e Rio de Janeiro. As tropas, comandadas pelos governos estaduais e conhecidas por seu vínculo militar e truculência nas periferias, alternaram atitudes opostas, e aparentemente descoordenadas. Na maior parte do tempo, agiram com violência, que repetidas vezes chegou a níveis de selvageria. Porém, em diversas ocasiões, ausentaram-se por completo – assistindo impassíveis a atos como a tentativa de incendiar a Câmara Municipal do Rio, em 7 de outubro. Em algumas poucas oportunidades, a PM cumpriu seu papel e assegurou o direito constitucional de manifestação. Em outras, policiais disfarçados de manifestantes foram filmados atirando coquetéis molotov contra prédios públicos.

Que está por trás deste estranho conjunto de atitudes? Durante um mês, a reporter Tânia Caliari foi em busca de respostas. Encontrou-se com os “black-blocs”, no vão do MASP e nas escadarias da Câmara do Rio. Entrevistou autoridades policiais. Dialogou com pesquisadores e organizações de defesa dos direitos humanos. Ao final, produziu vasta reportagem, publicada na edição de outubro da revista “Retrato do Brasil

Tânia apurou e escreveu em agosto e setembro, quando o elemento principal das manifestações era o chamado “bloco negro” (a greve dos professores do Rio, por exemplo, não havia começado). Mas, ao invés de levar em conta apenas os confrontos entre a polícia e este grupo, a repórter procurou entender também seu contexto. Ao fazê-lo, chegou a observações mais profundas. Continuar lendo

“Preconceito contra Bolsa Família é fruto da imensa cultura do desprezo”, diz pesquisadora.

O Programa Bolsa Família fez 10 anos no domingo, dia 20. Quando foi lançado, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, atendia 3,6 milhões de famílias, com cerca de R$ 74 mensais, em média. Hoje se estende a 13,8 milhões de famílias e o valor médio do benefício é de R$ 152. No conjunto, beneficia cerca de 50 milhões de brasileiros e é considerado barato por especialistas: custa menos de 0,5% do PIB.

Para avaliar os impactos desse programa a socióloga Walquiria Leão Rego e o filósofo italiano Alessandro Pinzani realizaram um exaustivo trabalho de pesquisa, que se estendeu de 2006 a 2011. Ouviram mais de 150 mulheres beneficiadas pelo programa, localizadas em lugares remotos e frequentemente esquecidos, como o Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas.

O resultado da pesquisa está no livro Vozes do Bolsa Família, lançado há pouco. Segundo as conclusões de seus autores, o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns setores não tem razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais pobres.

Os pesquisadores também rebatem a ideia de que o benefício acomoda as pessoas. “O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida como qualquer pessoa”, diz Walquiria, que é professora de Teoria da Cidadania na Unicamp. Continuar lendo

Brasil tem 672 terras indígenas; entenda como funciona demarcação

Segundo dados da Funai, 196 terras ainda precisam ser homologadas.
Governo federal fala em alterar competência da Funai para delimitação.

A demarcação de terras indígenas voltou a ganhar evidência e ser alvo de embates públicos após a invasão de fazendas em Sidrolândia (MS) que culminou na morte de um índio terena. O conflito na região começou no dia 15 de maio, quando a Buriti foi ocupada pelos terena, cuja principal reivindicação é uma área cujo processo demarcatório se arrasta há 13 anos.

De acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio), o país tem atualmente 672 terras indígenas, 115 delas em estudo, ou seja, ainda não foi definido o tamanho dessa área, que pode vir a ser demarcada (Entenda a classificação mais abaixo).

TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL*
Fase do procedimento demarcatório Nº de terras indígenas Superfície   (em hectares)
Em estudo 115
Delimitada 30 2.024.366,0000
Declarada 51 2.679.132,0452
Homologada 12 513.762,0717
Regularizada 428 104.616.529,3229
Reserva Indígena 36 44.358,5230
Total 672 109.878.147,9628
*Fonte: Funai, maio de 2013

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A polícia, o PCC e um modelo de segurança pública falido

Camila Nunes Dias, pesquisadora e autora de livro sobre a facção criminosa, analisa a relação que se estabelece entre o poder oficial e o paralelo no estado de São Paulo

Por Igor Carvalho

No ano de 2006, o Primeiro Comando da Capital (PCC) ganhou as manchetes dos jornais ao ter sido responsabilizado por praticamente parar a cidade de São Paulo com uma série de ações violentas. Após o governo do estado sinalizar com a transferência de 700 presos ligados ao “partido”, como é chamado, para presídios de segurança máxima de Presidente Bernardes e Presidente Prudente, a facção teria sido responsável pela morte de 59 agentes do estado, entre eles bombeiros, agentes carcerários, policiais militares e civis. Na sequência, 493 pessoas foram mortas entre os dias 12 e 20 de maio nas periferias da Grande São Paulo, crimes, em sua maioria, ainda não solucionados.

Agora, em maio de 2012, após uma ação da Rota no bairro da Penha, que prendeu três supostos integrantes do PCC e teve seis suspeitos mortos, uma nova onda de violência se desencadeou nas periferias da cidade e na Grande São Paulo. Para saber mais a respeito das raízes dessa situação, Fórum conversou com Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e autora do livro PCC – A hegemonia nas prisões e o monopólio da violência, que será lançado neste ano, pela Editora Saraiva. Em entrevista, Camila analisa a atuação do “partido” dentro e fora das prisões e ajuda a observar melhor a relação estabelecida entre o poder oficial e o poder paralelo na cidade e no estado. Continuar lendo

Bolsa Família: 10 anos de liberdade

O Programa rompe uma história de subordinação, para o desenvolvimento de liberdades individuais, entre elas a liberdade de escolha.

Mayra Taiza Sulzbach

O Programa Bolsa Família (PBF) começa a apresentar seus resultados de longo prazo. Seus benefícios no curto prazo são apenas observados como um mecanismo de inclusão ao consumo de famílias desprovidas de recursos. Os valores recebíveis, em espécie, através do Programa proporciona o bem mais desejado da sociedade capitalista, a moeda, e é com esta que as famílias beneficiárias do Programa têm acesso ao consumo. A moeda neste modelo é utilizada por aqueles que fazem parte da divisão social da produção, permitindo assim o consumo. Os beneficiários do Programa somente estão nesta situação pelo reconhecimento de sua exclusão no processo produtivo.

Contudo, ao mesmo tempo em que o Programa permite o acesso ao consumo e a continuidade do modelo de desenvolvimento capitalista este é capaz, no longo prazo, de promover a inclusão produtiva das crianças e jovens beneficiários, já que a condicionalidade do recebimento financeiro é a capacitação destes para exercício no futuro. Portanto, o Programa através do conhecimento pode promover uma ruptura de sua história de vida. Continuar lendo

O quê as revoltas de 2013 têm em comum

Milhares de estudantes protestam em Lima, no Peru, marchando em direção ao prédio do Congresso Nacional contra um projeto de lei que, segundo eles, viola a autonomia universitária

Na Turquia, Brasil, Bulgária e Peru o que se assemelha não é ideologia – mas arquitetura de convocação das multidões

Por Bernardo Gutiérrez,

Como o acampamento no parque Taksim de Istambul influenciou os protestos no Brasil? O surgimento repentino de os Indignados do Peru se explica como contágio regional? Existe algum ponto em comum nos protestos dos três países anteriores e as manifestações na Bulgária contra seu governo? Os analistas costumam buscar motivos concretos para explicar as revoltas dos últimos tempos. E transformam o diagnóstico inicial em tese irrefutável. Istambul se levantou para proteger o parque Taksim da mercantilização neoliberal. As urbes brasileiras se levantaram contra o aumento do preço do transporte. Os peruanos se indignaram frente a um governo que tentou distribuir cargos públicos de forma pouco transparente. Os búlgaros cercam o congresso durante semanas para protestar contra o aumento exagerado das faturas de água e gás e o conluio da classe política com grupos mafiosos. Mas ditas causas explicam as intensos protestos dos últimos meses? Continuar lendo

Disputando espaço em um mundo superpovoado

ALAN MATTINGLY

A discussão sobre os recursos consumidos neste planeta cada vez mais povoado se volta fortemente à energia: como alimentar a sede crescente por energia de maneiras que não destruam nosso ar, nossa água, nosso clima. Mas uma necessidade humana mais fundamental, envolvendo um recurso que é finito, impõe sua própria necessidade de invenção. Trata-se da necessidade de um espaço para ser, simplesmente.

Os desafios enfrentados para atender a essa necessidade são variados, movidos por fatores geográficos, econômicos e de oportunidade. As soluções encontradas são igualmente diversas.

Cingapura tem 5,4 milhões de habitantes, número previsto para chegar a quase 7 milhões até 2030, e seu espaço está se esgotando. Com opções limitadas, a cidade estuda a possibilidade de construir para baixo.

“Cingapura é pequena. Quer tenhamos 6,9 milhões de habitantes, quer não, sempre existe a necessidade de encontrar mais espaço para a construção”, disse ao “New York Times” Zhao Zhiye, da Universidade Tecnológica Nanyang.

Em apartamentos de Hong Kong, moradores vivem em cubículos alugados que têm espaço apenas para colchão, TV e prateleiras

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Ruanda aposta em tecnologia para superar passado e transformar o país

Lerato Mbele

Projeto Um Laptop por Criança levou computadores a 400 escolas de Ruanda

Olive Uwineza, de 12 anos, sonha em se tornar presidente quando crescer. Ela estuda em uma sala de aula com outros 30 alunos, em uma escola primária de alta tecnologia e Kigali, Ruanda.

Cada estudante tem um laptop, que usa animações para tornar as aulas mais divertidas.

As matérias favoritas de Olive são matemática e ciências, e ela acha que seria “muito difícil fazer as lições” sem o computador.

Cinco anos atrás, o projeto Um Laptop por Criança (OLPC, na sigla em inglês) foi lançado na escola de Olive, com apoio do governo e de ONGs. Desde então, 200 mil computadores portáteis foram distribuídos em mais de 400 escolas do pequeno país do leste africano.

A infraestrutura da escola de Olive também melhorou – foi modernizada com conexão wi-fi e softwares adaptados ao currículo escolar.

O projeto é um dos pilares da iniciativa Visão de Ruanda para 2020, que tem a ambiciosa meta de transformar o país em um de economia baseada em tecnologia, semelhante ao papel desempenhado por Cingapura no leste asiático. Continuar lendo