Concentração fundiária e grilagem no Pará

A Constituição Federal (art. 51 do ADCT) e a do estado do Pará (art. 15) determinaram a revisão da legalidade das titulações de terras realizadas a partir da metade do século passado, permitindo o combate à grilagem. Passadas duas décadas, nem o Congresso Nacional nem o estado do Pará cumpriram suas obrigações

por Girolamo Domenico Treccani

Residência de ribeirinhos no Amazonas

A apropriação de terras públicas na Amazônia continua uma realidade na qual milhões de hectares estão ilegalmente ocupados e matriculados. Na ausência de uma definição jurídica, adotaremos a seguinte: grilagem é “toda ação ilegal que objetiva a transferência de terras públicas para o patrimônio de terceiros”.1

O poder público pode atestar se alguém recebeu um título, mas não há estatísticas sistematizadas das informações sobre quantas e quais terras foram incorporadas ao patrimônio público; quantos títulos foram expedidos a particulares; para quem; qual seu tamanho; ou onde ficam as áreas que se incorporaram ao patrimônio particular. E o mais grave é a desconexão entre os papéis (documentos) e o que existe no chão. Continuar lendo

“Na Amazônia, o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização”

“Os responsáveis pelos lotes são originários de vários estados do Brasil. No entanto, foi do estado do Paraná que a maior parte dessas pessoas veio, fazendo da região Sul do país a de maior migração para o assentamento [de Matupi]”, afirma a pesquisadora

Por Luciano Gallas

Do IHU-Online

“É preciso entender o papel da política agrária que acontece no nosso país, pois na Amazônia o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização, por meio de uma reforma agrária conservadora e como forma de desviar a reforma agrária do centro-sul do país, onde realmente existe demanda por esta questão”, afirma a bióloga Viviane Vidal da Silva. Ela obteve doutorado em Ciências Biológicas, área de concentração em Ecologia Aplicada, com pesquisa sobre o impacto das atividades produtivas do assentamento agrário de Matupi, estado do Amazonas, na paisagem natural daquela região.

De acordo com a pesquisa realizada pela bióloga, o assentamento é o principal responsável pelo desmatamento na região, já que os lotes não observariam os limites impostos pela legislação no que se refere às áreas de preservação florestal em função da substituição da atividade agrícola pela pecuária. Continuar lendo

Nossa boa terra

Onde nasce a comida: o futuro depende do solo sob os nossos pés

por Charles C. Mann

Um mosaico de árvores, campos e plantações delineiam o contorno da bacia de Coon Creek, em Wisconsin, nos Estados Unidos

Em um dia quente de setembro, fazendeiros de toda a região estão reunidos em volta de máquinas enormes. Colheitadeiras, embaladoras, trituradoras, cultivadoras, semeadoras – enfim, tratores para as mais diversas finalidades podiam ser vistos na Farm Technology Days, a feira de equipamentos agrícolas realizada todos os anos no estado americano de Wisconsin. Quando visitei a exposição no ano passado, a empresa John Deere estava apresentando aos visitantes o 8530: um trator que funciona sozinho, orientando-se por sinais de satélite. Eu estava feliz na cabine, aproveitando o ar-condicionado sem ter de me preocupar com nada; sob meus pés as imensas rodas de borracha conduziam a máquina por seu caminho.Os fazendeiros sorriam ao contemplar os tratores atravessando as plantações de cereais. No longo prazo, contudo, tais máquinas podem estar contribuindo para acabar com o próprio sustento deles. O solo do meio-oeste americano, abrangendo algumas das áreas mais férteis do mundo, é constituído de torrões soltos e heterogêneos, entremeados por muitos bolsões de ar. Máquinas enormes e pesadas, como as colheitadeiras, amassam a terra molhada e a transformam em uma camada indiferenciada e quase impermeável – em um processo conhecido como “compactação”. As raízes não conseguem penetrar em solo compactado; tampouco a água escoa terra adentro e, em vez disso, corre pela superfície, provocando erosão. E, como a compactação às vezes ocorre em profundidade, pode levar décadas para ser revertida. Conscientes do problema, os fabricantes de implementos agrícolas instalam pneus enormes em suas máquinas, pois essa é uma maneira de amenizar o impacto sobre o solo. Além disso, os fazendeiros passaram a usar dispositivos de GPS para manter os veículos em trajetos específicos, deixando intocado o resto do terreno. Mesmo assim, esse tipo de compactação continua sendo um problema grave – pelo menos naqueles países em que os produtores rurais podem desembolsar 400 000 dólares por uma colheitadeira. Continuar lendo

2014: os desafios sociais e ambientais do povo brasileiro

Terminamos o ano de 2013, e entramos no próximo ano encarando a temporada ultraconservadora rural, social e ambiental no Brasil.

Najar Tubino

Porto Alegre – Com a temperatura acima de 35 graus, beirando os 40, uma inundação em dois estados, conflito racista em Humaitá (AM), onde os madeireiros incentivaram a destruição do patrimônio público, após a morte de um cacique e três moradores da cidade; a construção de várias estações de transbordos no distrito de Miritituba (PA), onde o agronegócio vai escoar cerca de 20 milhões de toneladas de soja; mais a liberação da exploração de ouro na Volta Grande do Xingu, a l7 quilômetros onde está sendo erguida a Usina Hidrelétrica do mesmo nome; além da proposta indecente das empresas de agrotóxicos junto com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), para criar a Comissão Técnica de Agrotóxicos (CNTagro), espécie de irmã siamesa da CNTbio, àquela que só aprova a liberação dos transgênicos, assim terminamos 2013, e entramos no próximo ano encarando a temporada ultraconservadora rural, social e ambiental.

Ficou grande, mas é para argumentar bem. A capital gaúcha, local onde sempre passam as frentes frias vindas da Península Antártica está imersa no forno, transformando a bela Porto dos Casais dos açorianos, em autêntico inferno tropical. O conflito de Humaitá que a Rede Globo, por intermédio dos repórteres da afiliada no Amazonas identificou como uma revolta da população pelo sumiço de três moradores, e tendo como fato anterior, a morte do cacique Ivan Tenharim, “encontrado morto na Transamazônica, vítima de atropelamento por estar bêbado”. Posteriormente, a nota do Conselho Missionário Indigenista registra o seguinte: Continuar lendo

Gestão Socioambiental em 10 anos do novo modelo do Setor Elétrico Brasileiro

A data passa despercebida, mas o dia 11 de dezembro de 2013 marca exatos 10 anos da instituição de um novo modelo para o Setor Elétrico Brasileiro.

A data passa despercebida, mas o dia 11 de dezembro de 2013 marca exatos 10 anos da instituição de um novo modelo para o Setor Elétrico Brasileiro. Medida Provisória do Presidente Lula lançou as bases para centralizar no Governo Federal o poder de fixar as políticas, o planejamento e o monitoramento do setor, ainda assoberbado pelo Apagão Elétrico que assolou o país na virada do século, e abriu o caminho da Presidência da República para a Ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff.

O Ministério ganhou força, a ANEEL foi mantida, e criou-se a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as licitações ensejaram competição e redução dos preços. Através do Programa Luz para Todos, quase 15 milhões de lares rurais receberam gratuitamente ligação à rede elétrica. Continuar lendo

O mapeamento dos conflitos ambientais no Brasil

Livro lançado pela Fiocruz faz um inventário de 400 casos de injustiça ambiental no País. Por Joan Martinez-Alier

Chico Mendes, cujo assassinato completa 25 anos em dezembro, foi uma das mais emblemáticas vítimas dos conflitos ambientais. O livro “Injustiça ambiental e saúde no Brasil: O mapa de conflitos”, de pesquisadores da Fiocruz, analisa 400 casos no Brasil, de forma pioneira no mundo, segundo economista ecologico catalão Joan Martinez-Alier

No dia 22 de dezembro de 2013, completam-se 25 anos do assassinato de Chico Mendes (1944-1988), morto em Xapuri, no estado do Acre, por defender a Amazônia contra o desmatamento. Chico Mendes era um seringueiro, e foi um sindicalista que defendia os seringueiros contra os poderosos fazendeiros que queimavam a floresta. Ele havia aprendido a ler, ainda menino, com um velho comunista que vivia escondido nessa fronteira entre o Brasil e a Bolívia, um sobrevivente da Coluna Prestes.

Desde então, longe de diminuir, os conflitos decorrentes do desmatamento e da expansão da fronteira agropecuária continuam crescendo por toda a Amazônia. Repetidas vezes, são produzidas mortes por causa dessa expansão. Mas também há outros conflitos que decorrem de injustiças ambientais, além do desmatamento e da fronteira agropecuária, como pela expansão da mineração, por infraestrutura (estradas, grandes usinas) e por contaminação de agrotóxicos.

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Pará, onde a terra é poder

A vida dos camponeses sem terra que ocupam fazendas no Pará, estado onde a luta agrária é das mais violentas, oscila entre as intimidações e a aspersão de agrotóxicos sobre casas e plantações

Por Fabíola Ortiz

Sob o sol abrasador e a umidade do clima amazônico, Waldemar dos Santos, de 60 anos, cuida da horta comunitária de camponeses sem terra no Estado do Pará, à espera de que a reforma agrária lhe proporcione uma vida melhor. “Meu sonho é um terreninho. Nosso desejo é acabar com a fome neste país, que está caindo montanha abaixo pela necessidade”, disse ao Terramérica o camponês natural da Bahia, que ainda criança, para fugir da seca, emigrou para o Pará.

Sua família é uma das 280 que desde 8 de agosto de 2010 vivem no acampamento que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) batizou de Frei Henri des Roziers, em homenagem ao padre dominicano de 82 anos que, como advogado da Comissão Pastoral da Terra, continua defendendo os direitos humanos na região. Continuar lendo

A Amazônia pode mesmo virar cerrado?

As teorias sobre os feitos das mudanças climáticas e o aquecimento global na Amazônia são muitas. Em 2000, o meteorologista Peter Cox lançou um estudo de grande repercussão, que previa que a Amazônia poderia secar até 2050. A possibilidade foi reforçada anos depois por estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Ong conservacionista WWF.

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Um guia sobre Belo Monte

Seis passos para entender, sem paixões e de forma equilibrada, a polêmica hidrelétrica que será construída na Amazônia

Por Carolina Derivi, no Pagina22

“Se algo não puder ser expresso em números, não é ciência. É opinião.” Com todo respeito ao escritor americano Robert Heinlein, autor desta frase, sua análise parece incompleta. O que falta é a admissão de que a ciência não é apolítica. Assim como no debate público sobre a Usina de Belo Monte, fervoroso no fim do ano passado, em que interlocutores do time A ou do time B se apropriaram de dados técnicos para invalidar visões contrárias.

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Hidrelétricas na Amazônia: desenvolvimento para quem?

Artigo de Nelson Sanjad
Conheci a cidade de Tucuruí em 1988, quatro anos depois de inaugurada a hidrelétrica que interrompeu o fluxo natural do rio Tocantins. Era, então, um espaço populoso, deteriorado e caótico, impressão que se amplificou ao visitar o núcleo urbano da construtora Camargo Correa, protegido por muros, guaritas e homens armados, com casas amplas e ajardinadas, com um confortável hotel para os hóspedes ilustres e com uma bela vista do vertedouro e do lago formado pela barragem. No tour pela usina, um funcionário da Eletronorte orgulhosamente apontou para uma ilhota, informando que a empresa instalara ali um banco genético das espécies vegetais que ocorrem (ocorriam?) na região, sem nada esclarecer sobre as copas de árvores mortas que emergiam por todo o imenso lago, visão que lembra, de imediato, em qualquer espectador, um cemitério repleto de cadáveres mal enterrados. Inquirido por que as árvores não foram retiradas, o funcionário tergiversou (alguém ainda lembra do escândalo Capemi?).

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