Como ensinar os alunos a produzirem resumos?

Por que os alunos têm tanta dificuldade para fazer boas sínteses? Estudo revela que o problema pode estar na forma como se ensina o gênero

Beatriz Santomauro (bsantomauro@abril.com.br)

Ilustrações: Francisco Martins

Ilustrações: Francisco Martins

Entre os procedimentos de estudo ensinados na escola, o resumo é certamente um dos mais úteis e populares. Entretanto, muitos professores se queixam de que a prática raramente atinge os resultados prometidos pela teoria: estudantes copiam trechos, não selecionam o essencial, deturpam ideias e por aí vai. Por que isso ocorre?
Essa dúvida motivou 20 anos de trabalho da pesquisadora argentina Flora Perelman, da Universidade de Buenos Aires. Seu livro mais recente, El Resumen sobre el Papel: Condiciones Didácticas y Construcción de Conocimientos (lançado no fim de 2008, ainda sem versão em português), é um compêndio sobre as informações colhidas ao longo desse tempo. A conclusão da especialista é inquietante: na maioria das vezes, o problema está na forma como os docentes abordam o gênero.
Um dos trabalhos mais recentes analisou como as condições de ensino influenciam o resumo feito pelos alunos. Para realizá-lo, a pesquisadora orientou, juntamente com professores do 3º ano de uma escola de classe média em Buenos Aires, na Argentina, duas propostas de síntese para 15 estudantes. Na primeira situação, que Flora chamou de “habitual” por ser a mais comum nas escolas, as crianças escreveram resumos de um texto sobre a cidade grega de Esparta. Ao longo de sua exposição, o professor cometeu uma série de equívocos, como apresentar o gênero como um procedimento que serve apenas para reforçar o que já se sabe. Depois, realiza uma intervenção, reunindo no quadro ideias que deveriam constar da síntese, mas sem discutir por que e pedindo que a turma escrevesse uma nova versão do texto. Os resultados desse modo de ensinar foram desapontadores: em termos de critérios de seleção de informações, só cinco dos 15 alunos evoluíram entre uma versão e outra. E, no que diz respeito à compreensão de conteúdo, ninguém avançou.
Para a segunda proposta – resumir um texto sobre Atenas -, a atuação foi diferente (leia a abaixo). De início, o educador definiu resumo como uma prática de estudo para conhecer melhor o conteúdo de um texto. Na intervenção entre um texto e outro, o foco do trabalho foi discutir os critérios de seleção de informação. A mudança foi visível: 13 de 15 estudantes melhoraram na compreensão do texto e todos aprimoraram a seleção de informações.
Os resultados da investigação lançam luz sobre as maneiras mais eficazes de tratar o gênero. Comecemos por um aspecto que parece óbvio, mas é essencial: para resumir bem, o aluno deve entender o que está resumindo. Em seguida, já munido de uma compreensão global do que está escrito, ele parte para a produção. Nessa etapa, o objetivo é ampliar ainda mais o entendimento, pois o momento da escrita leva a uma nova reflexão sobre o texto-fonte, evidenciando a ideia central e hierarquizando as informações. “Por isso, a discussão de critérios é fundamental. Dizer ‘sublinhe o que é mais importante’ ajuda pouco”, reforça Flora.
É a deixa para mostrar que não existem resumos-padrão, mas possibilidades que variam de acordo com a proposta (destacar o mais importante, o mais curioso, os números citados etc.). Para guiar a turma, uma alternativa válida é mostrar suas próprias estratégias, apresentando uma referência de leitor e escritor experiente para as crianças.
Por fim, vale prestar atenção na linguagem utilizada. Ao notar que o aluno imita expressões do texto-base, você não precisa considerar aquilo uma cópia sem utilidade. “Definições científicas, por exemplo, são difíceis de serem explicadas com outras palavras”, lembra a pesquisadora. O essencial é notar se o aluno compreendeu e não fez só uma justaposição de trechos. A melhor forma de verificar isso é examinar se há coerência no encaminhamento das ideias destacadas na síntese – e debater toda vez que isso não ocorrer. Praticando a escrita e refletindo sobre ela, a turma constrói resumos que extraem o sumo do texto.

Uma proposta mais eficaz

As sínteses melhoram quando há foco no entendimento geral e nos critérios de seleção de ideias do texto-fonte

As sínteses melhoram quando há foco no entendimento geral e nos critérios de seleção de ideias do texto-fonte

A tarefa
O docente pede um resumo do texto sobre a cidade grega de Atenas sem tirar dúvidas sobre o vocabulário a todo momento – orienta que o melhor é avançar para que possam interpretar o texto por completo.
Primeiro resumo individual 
“Em Atenas havia 3 grupos diferentes de pessoas: os cidadãos, os metecos e os escravos. Em Atenas nem todos recebiam a mesma educação. (…) As meninas atenienses ficaram em suas casas, enquanto os meninos iam à escola. O encarregado de levar os meninos à escola era o pedagogo o escravo mais confi ável das famílias o professor de música que se chamava citarista lhes ensinava tocar a lira a cítara e a flauta a formação militar obrigatória começava aos 18 anos e consistia em aprender a usar as armas. (…) O encarregado de levar os cidadãos à escola era o pedagogo que também estava com os meninos na aula e era o escravo mais confiável das famílias. Para ler os meninos cidadãos tinham um papel enrolado de todos os lados e iam desenrolando para ler e enrolando quando terminavam (…). Os cidadãos tinham o tempo e os recursos para desenvolver sua mente e corpo nas assembleias e onde opinavam e votavam. Assim Atenas passou a um dos centros culturais e científicos mais importantes de todos os tempos.” Juan, 9 anos.
As intervenções 
O professor pede que as crianças discutam o que entenderam do texto e os critérios para eleger as informações essenciais. No quadro, ele organiza os critérios escolhidos pela turma (mencionar os grupos principais, falar como cada um recebia educação etc.) e, com base neles, elabora coletivamente um resumo. Depois, pede que cada criança realize um novo resumo.
Segundo resumo individual 
“Em Atenas havia 3 grupos diferentes de pessoas: os cidadãos, os metecos e os escravos. Em Atenas nem todos recebiam a mesma educação. (…) Os cidadãos iam à escola. O professor de música lhes ensinava a tocar a flauta a lira e a cítara. O de ginástica lhes ensinava a saltar lançar a lança, correr e boxear. Os metecos e escravos tinham de estudar em suas casas e não iam à escola. O encarregado de levar os cidadãos à escola era o pedagogo que também estava com os meninos na aula e era o escravo mais confiável das famílias. Para ler os meninos cidadãos tinham um papel enrolado de todos os lados e iam desenrolando para ler e enrolando quando terminavam de ler alguma coisa. Os cidadãos tinham o tempo e os recursos sufi cientes para desenvolver sua mente e corpo nas assembleias e onde opinavam e votavam. E assim Atenas passou a história e se fez um dos centros culturais maiores do mundo.” Juan, 9 anos.
Comentário 
Além de ter menos equívocos de pontuação, o segundo resumo está mais completo e apresenta maior hierarquia. A frase temática inicial serve como fio condutor do restante da composição. Há a preocupação de mostrar a distinção entre os agentes, um aspecto fundamental do texto-fonte. O encadeamento das ideias, por sua vez, está mais lógico e a composição ganha unidade.

Fonte: Exemplo traduzido e adaptado do livro El resumen sobre el papel: condiciones didácticas y construcción de conocimientos.

Principais equívocos
– Pensar que a turma não precisa de orientação
Nunca é demais lembrar que sintetizar textos não é um saber intuitivo. Não basta o estudante ser orientado a ler, sublinhar e reescrever. Aprender a resumir exige foco na leitura, várias tentativas de produção de texto, reflexões e revisões.
– Proibir a consulta ao texto original 
É o caso de se questionar: você também se impõe essa proibição quando está estudando um texto por conta própria? Provavelmente, não. Permitir que a turma volte ao original é importante para tirar dúvidas e se certificar de que entendem o que estava no texto.
– Pedir um resumo em tópicos 
Diferentemente das listas e anotações, um resumo é um texto que precisa apresentar unidade, com começo, meio e fim. Sua organização também deve refl etir a importância dedicada a cada ideia no texto original.
– Propor a atividade apenas para relembrar informações conhecidas 
É no exercício de ler, compreender o que está sendo dito e extrair os dados essenciais que o aluno vai aprender o conteúdo do texto. O resumo é um procedimento para compreender determinado conteúdo – e não simplesmente rever o que já se sabe.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA 
El Resumen sobre el Papel: Condiciones Didácticas y Construcción de Conocimientos, Flora Perelman, 224 págs., Ed. Miño y Dávila, tel. (54 011) 5272-4456, 53 pesos argentinos (cerca de 35 reais).
O Resumo
, Marli Quadros Leite, 64 págs., Ed. Paulistana, tel. (11) 3744-9754, 16 reais

Fonte: http://www.geomundo.com.br/sala-dos-professores-20167.htm

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