Com marco civil da internet, Brasil vira referência mundial em democratização da rede

A aprovação do projeto coroa a vitória do governo que, para aprová-lo sem alterar sua essência, enfrentou a maior crise de relacionamento com a base aliada

Por Najla Passos, na Carta Maior

A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça (25), por quase unanimidade (só o PPS votou contra), o marco civil da internet, que há cinco meses travava a pauta da casa e foi o pivô da maior crise já enfrentada entre o governo Dilma e a base aliada. A expectativa, agora, é que o projeto seja aprovado pelo Senado em tempo recorde, sem alterações, para que siga à sanção presidencial.

Com isso, o Brasil passará a ser referência mundial em legislação sobre rede mundial de computadores: o projeto é, na opinião dos movimentos de defesa da democratização da comunicação, especialistas em redes de informação e em democracia participativa, um avanço significativo que deve servir de exemplo para o mundo.

Prova é a nota divulgada às vésperas da votação, pelo físico britânico Tim Berners-Lee, considerado o pai da internet, na qual ele enaltece a proposta de marco legal brasileira. “Se o Marco Civil passar, sem mais atrasos ou mudanças, será o melhor presente para os usuários de internet no Brasil e no mundo”, afirma ele. Continuar lendo

Facebook: um mapa das redes de ódio

Pesquisa vasculha território obscuro da internet: as comunidades que clamam por violência policial, linchamentos, mortes dos “esquerdistas” e novo golpe militar

Por Patrícia Cornils, entrevistando Fábio Malini | Imagem: Vitor Teixeira

No dia 5 de março o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. São páginas dedicadas a defender o uso de violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos.

Para centenas de milhares de seguidores dessas páginas, a violência é a única mediadora das relações sociais, a paz só existe se a sociedade se armar e fizer justiça com as próprias mãos, a obediência seria o valor supremo da democracia. Dentro dessa lógica, a relação com os movimentos populares só poderia ser feita através da força policial. Qualquer ato que escape à ordem ou qualquer luta por direitos é lido como um desacato à sociedade disciplinada. Um exemplo: no sábado, dia 8 de março, a página “Faca na Caveira” publicou um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres no qual manda as feministas “se foderem”. Em uma hora, recebeu 300 likes. Até a tarde de domingo, 1473 pessoas haviam curtido o texto.

Abaixo o professor Fábio Malini explica como fez a pesquisa e analisa o discurso compartilhado por esses internautas. “O que estamos vendo é só a cultura do medo midiático passando a ter os seus próprios veículos”, diz ele. Explore as redes neste link. Continuar lendo

Por que andar de ônibus no Brasil não é politicamente correto?

Foto de atriz Lucélia Santos usando transporte público no Rio circula nas redes sociais e vira alvo de brincadeiras de mau gosto

A atriz Lucélia Santos, em ônibus no Rio.

No início desta semana, uma foto da atriz Lucélia Santos, de 56 anos, circulou pelos portais, sites de fofoca e as redes sociais no Brasil. Na segunda-feira, a atriz, que atualmente mora no Rio de Janeiro, tomou o ônibus 524 (Botafogo-Barra da Tijuca) para se locomover pela cidade onde mora. Um fã tirou uma foto e postou nas redes sociais “524 lotado. Me ofereço pra segurar a bolsa da moça. E quando olho, é a atriz Lucélia Santos”.

A foto da atriz – que ficou internacionalmente conhecida quando estreou na televisão, em 1976, no papel da escrava Isaura, na novela homônima que foi transmitida em 79 países – usando uma camisa branca e de pé no ônibus rapidamente circulou na internet. Poderia ser apenas uma nova fofoca, daquelas que abastecem diariamente os veículos que vivem do que fazem os famosos fora das telas. Mas não foi. Comentários do tipo “não está fácil pra ninguém” pipocaram acompanhados da imagem da atriz. Como se andar de ônibus fosse sinal de decadência. Mas no provincianismo brasileiro de cada dia, é assim que as pessoas enxergam o uso do transporte coletivo. Continuar lendo

Zygmunt Bauman “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”

Sociólogo polonês cria tese para justificar atual paranoia contra a violência e a instabilidade dos relacionamentos amorosos

Adriana Prado

O sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados e produtivos da atualidade. Aos 84 anos, escreveu mais de 50 livros. Dois dos mais recentes, “Vida a crédito” e “Capitalismo Parasitário” chegam ao Brasil pela Zahar. As quase duas dezenas de títulos já publicados no País pela editora venderam mais de 200 mil cópias. Um resultado e tanto para um teórico. Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da “modernidade líquida”, seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento da História em que vivemos. Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranóia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si. “Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de ‘progresso’, se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: ‘progresso’, para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração”, afirma. Em entrevista à ISTOÉ, por e-mail, o professor emérito das universidades de Leeds, no Reino Unido, e de Varsóvia, na Polônia, falou também sobre temas que começou a estudar recentemente, mas são muito caros aos brasileiros: tráfico de drogas, favelas e violência policial. Continuar lendo

A história do ódio no Brasil

Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”

Por Fred Di Giacomo

As decapitações que chocam nos presídios eram moda há séculos e foram aplicadas em praça pública para servir de exemplo nos casos de Tiradentes e Zumbi

“Achamos que somos um bando de gente pacífica cercados por pessoas violentas”. A frase que bem define o brasileiro e o ódio no qual estamos imersos é do historiador Leandro Karnal. A ideia de que nós, nossas famílias ou nossa cidade são um poço de civilidade em meio a um país bárbaro é comum no Brasil. O “mito do homem cordial”, costumeiramente mal interpretado, acabou virando o mito do “cidadão de bem amável e simpático”. Pena que isso seja uma mentira. “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva”, explica o sociólogo Antônio Cândido. O brasileiro se obriga a ser simpático com os colegas de trabalho, a receber bem a visita indesejada e a oferecer o pedaço do chocolate para o estranho no ônibus. Depois fala mal de todos pelas costas, muito educadamente. Continuar lendo

Zygmunt Bauman: vivemos o fim do futuro

“Para mudar o mundo, os jovens precisam trocar
o mundo virtual pelo real” – Zygmunt Bauman

Esta semana (16), o Fronteiras do Pensamento divulgou uma fala de Edgar Morin em que o filósofo francês argumenta que estamos vivendo o fim do futuro. Para Morin, a sociedade percebeu a ambivalência da ciência, da razão, da técnica e da economia e perdeu a crença nestes enquanto guias da humanidade: “A crise do futuro, a crise do progresso. A perda do futuro é muito grave porque, quando se perde a esperança no futuro surge uma sensação de angústia e de neurose”, afirma Morin.

A revista Época publicou, também esta semana (19), uma entrevista exclusiva com o filósofo polonês Zygmunt Bauman. Na conversa com o editor de cultura da Época, Luís Antônio Giron, Bauman, considerado um dos pensadores mais eminentes do declínio da civilização, fala sobre como a vida, a política e os padrões culturais mudaram nos últimos 20 anos.

As instituições políticas perderam representatividade porque sofrem com um “deficit perpétuo de poder”. Na cultura, a elite abandonou o projeto de incentivar e patrocinar a cultura e as artes. Segundo ele, hoje é moda, entre os líderes e formadores de opinião, aceitar todas as manifestações, mas não apoiar nenhuma. Leia a entrevista abaixo ou confira no site da Época. Ao final do texto, acrescentamos a entrevista exclusiva que Bauman concedeu a Fernando Schüler e Mário Mazzilli, na Inglaterra, para o Fronteiras do Pensamento. Continuar lendo

Pochmann: Estamos assistindo ao fim da imprensa como a conhecemos

“Parece que os jornais assumiram aquilo que eles criticavam da imprensa comunista”, sustenta o economista ao afirmar que os periódicos “escrevem para seus militantes”

Por Marcelo Hailer

“A sociedade está aprendendo a identificar o potencial da rede, que parece ser enorme”

Marcio Pochmann, economista e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudo Sindicais e de Economia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu a reportagem da revista Fórum para conversar sobre o primeiro ano de sua gestão à frente da Fundação Perseu Abramo (FPA). Ele também falou sobre a cobertura política da imprensa e o papel das redes no ativismo.

Segundo Pochmann, a imprensa clássica não dialoga com a geração atual, mas apenas com “seus militantes”. O economista fez uma análise das manifestações de junho e afirma que não se pode fazer uma leitura dos atos tendo como referencial as organizações sociais do século XX. Confira a entrevista abaixo:

Fórum – O que você destacaria deste primeiro ano de sua gestão frente a Fundação Perseu Abramo?

Marcio Pochmann – A Fundação Perseu Abramo tem 17 anos de existência e tem reproduzido a evolução do PT ao longo desse período. 2013, de certa maneira, apresentou algumas conexões mais fortes em relação aos desafios que o partido vem vivendo e nós organizamos a Fundação para responder a três desafios que são centrais na perspectiva do Partido dos Trabalhadores. Continuar lendo

Amazon, do outro lado do computador

Com empresários celebrizados, telas finas e cores vivas, a economia digital evoca a imaterialidade, a horizontalidade e a criatividade. Porém, uma investigação sobre a gigante do comércio eletrônico Amazon revela o outro lado da moeda: fábricas gigantes em que humanos pilotados por computadores trabalham até a exaustão

por Jean-Baptiste Mallet

Descolando seu olhar dos cartazes do sindicato alemão Ver.di – o sindicato unificado dos serviços – presos à parede da sala de reuniões, Irmgard Schulz se levanta de repente e toma a palavra. “No Japão”, conta, “a Amazon acaba de recrutar cabras para que elas pastem em torno de um armazém. A empresa colocou nelas um crachá igual ao que temos pendurado no pescoço! Está tudo lá: nome, foto, código de barras.” Estamos na reunião semanal de funcionários da Amazon em Bad Hersfeld (Hesse, Alemanha). Em uma imagem, a operária logística acaba de resumir a filosofia social da multinacional de vendas on-line, que propõe ao consumidor comprar com alguns cliques e receber no prazo de 48 horas um esfregão, as obras de Marcel Proust ou um arado motorizado.1

Em todo o mundo, 100 mil pessoas estão trabalhando em 89 armazéns logísticos cuja superfície somada totaliza cerca de 7 milhões de metros quadrados. Em menos de duas décadas, a Amazon projetou-se na vanguarda da economia digital, ao lado da Apple, do Google e do Facebook. Desde seu lançamento em Bolsa, em 1997, seu faturamento foi multiplicado por 420, chegando a US$ 62 bilhões em 2012. Seu fundador e CEO, Jeffrey Preston Bezos, metódico e libertário, inspira aos jornalistas retratos ainda mais lisonjeiros desde que investiu em agosto último US$ 250 milhões – 1% de sua fortuna pessoal – para comprar o diário norte-americanoThe Washington Post. O tema do sucesso econômico eclipsa com certeza o das condições de trabalho. Continuar lendo

O rei do camarote e o mito do vencedor

Alimentado com ego e abatido em voo, o pobre-menino-rico se tornou o inimigo número 1 da nação. Seus destroços agora servem aos urubus

Alimentado com ego e abatido em voo, o pobre-menino-rico se tornou o inimigo número 1 da nação. Seus destroços agora servem aos urubus

“Estou há 40 anos sem fazer sexo, diz Mama Bruschetta”. “Miss Bumbum 2013: Confira as Finalistas”. “Bieber visitou baladas e casas de massagem”. “Pegadinha do enforcado causa polêmica”. “Chris Fernandes perde óculos em mergulho”. “Mulher Filé mostra demais com saia curta e rasgada”. “Bruna Marquezine mostra novo visual”. “Vitamina C, miojo e cueca: os pedidos dos artistas do Planeta Terra”. “Lady Gaga vai a premiação nos EUA com dentadura bizarra”. “Namorada de Roberto Justus faz pose em fotos na piscina; veja”. “Vote no duelo das mães saradas”. “Sinto falta de Seu Madruga, diz atriz que faz Chiquinha em Chaves”.

Na segunda-feira 4, estas eram algumas das chamadas de três dos principais portais de notícias (repito: notícias) do País. Pela lógica entre produção e consumo, imagina-se que o grosso da audiência não esteja em qualquer biblioteca, centro cultural, diário oficial da União, portais de transparência ou página dedicada a fãs de Dostoiévski. Continuar lendo

A internet e o “orgasmo democrático”

A emergente participação em rede não produzirá novas ideologias unitárias ou revoluções, mas poderá destruir o velho jogo da governança representativa

Marcos Nunes Carreiro entrevista Massimo Di Felice

Muito se fala de como as redes sociais vêm modificando o pensamento social e ampliando a capacidade de reflexão, sobretudo dos jovens, em razão da participação fundamental da internet nas manifestações e protestos que tomaram o Brasil nos últimos meses. As mani­festações já viraram pauta nas escolas e com certeza serão conhecidas das próximas gerações. Mas, afinal, qual é o papel político-social das redes sociais e da internet?

Há quem diga que o momento atual do Brasil é de orgasmo democrático, ao ver milhares de pessoas saindo às ruas em razão da situação político-econômica do país. E é realmente instigante acompanhar a efervescência da sociedade, até para quem não tem ânimo de participar. Todavia, há discordância quanto ao termo “orgasmo democrático”. O professor da Faculdade de Comu­nicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Magno Medeiros, por exemplo, diz que orgasmo é um fenômeno fugaz e de satisfação imediata, ao contrário do que vive o Brasil atualmente. Continuar lendo