O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”

Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente no século XX. Em que medida proposição prevalece?

Por José Luis Fiori

As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos. 

E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente 
tenham que ser chamadas igualmente de América, 
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem

N. Spykman, “America´s Strategy in World Politics”

Tudo indica que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século. Continuar lendo

Iraque dez anos depois: a guerra é um grande negócio!

Reginaldo Mattar Nasser

“A guerra é um crime… facilmente, o mais rentável, certamente, o mais cruel … É o único em que os lucros são contados em dólares e as perdas em vidas …. Ela é conduzida para o benefício dos poucos, à custa dos muitos….. eu passei a maior parte do meu tempo como um “ defensor de alta classe” para os Grandes Negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Em suma, eu era um gângster, um gangster para o capitalismo. “( Major General Butler)

O ataque norte-americano ao Iraque completou dez anos nesta semana com a constatação por grande parte dos analistas de que a estratégia do governo Bush foi um fracasso: os Estados Unidos e seus aliados não conseguiram alcançar os objetivos anunciados e as consequências da operação militar foram desastrosas, seja do ponto de vista moral, econômico ou militar. Mas o que o discurso sobre a derrota dos EUA não revela é que essa guerra foi e continua sendo uma grande vitória para alguns.  Continuar lendo

“EUA são o pior inimigo da democracia nas Relações Internacionais”, diz filósofo italiano

Para Domenico Losurdo, crise provoca questionamentos nos fundamentos liberais, que poderão ser respondidos com ajuda da esquerda da América Latina

A crise econômica global iniciada em 2008 afetou não somente as economias das grandes potências ocidentais como também a crença desses países no liberalismo triunfante, que se iniciou após o fim da Guerra Fria. Essa é a opinião do filósofo, historiador e cientista político marxista Domenico Losurdo, que está no Brasil para uma série de atividades e palestras.

Nesta quarta-feira (02/10), ele concedeu entrevista a Opera Mundi em um hotel no centro de São Paulo, ocasião em que criticou as atitudes imperialistas belicistas dos EUA em contraponto à sua retórica em prol da liberdade e da democracia.

Ele também teceu severas críticas à social-democracia na Europa, a quem denominou de “esquerda imperial” e de possuir objetivos muito próximos aos partidos da direita tradicional, fazendo parte de um sistema “monopartidário competitivo”.

Para Losurdo, sistema político europeu vive atualmente em uma forma de “monopartidarismo competitivo”

Losurdo é professor da Universidade de Urbino, na Itália, e também de entidades como o Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialekttisches Denken e da Associação Marx-XXIesimo Secolo. Continuar lendo

Geopolítica e Ética internacional

Usar direitos humanos como pretexto para intervenções militares pressupõe hierarquia entre povos cuja ilegitimidade foi identificada já no século XVII

“Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra
que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras.”
Hugo Grotius, O Direito da Guerra e da Paz, 1625

Por José Luis Fiori

Por definição, todo poder territorial é limitado e expansivo. Envolve a existência de fronteiras, e de algum tipo de “inimigo externo” ou “bárbaro”, de quem se defender e a quem “conquistar” e “civilizar”. Por isto, os projetos expansivos de poder sempre se revestem de algum sentido de missão, e adotam algum sentido moral e messiânico. E toda conquista vitoriosa produz e impõe algum tipo de discurso e de ordem ética “supranacional”. Em muitos casos, estes poderes expansivos se associaram com religiões que se propunham ajudar na conquista messiânica e na “conversão” dos povos bárbaros. E o mesmo aconteceu com o colonialismo europeu, até o momento em que adotou a retórica laica e universalista do “direito natural”, e mais recentemente, dos “direitos humanos” e das “intervenções humanitárias”. Continuar lendo

Tragédias permanentes

Atualmente, 20 países mantêm arsenais de armas químicas e bacteriológicas

A área litorânea de Latakia a Tartús concentra os sírios alauítas. Caso caia o regime ditatorial de Bashar al-Assad, pode virar um enclave. Ao redor de Alepo até Daraa, passando pela capital Damasco, estão os sunitas. Encostado às Colinas de Golã e na fronteira com a Jordânia encontra-se o chamado “setor druso”, que engloba as cidades de Daraa e Suwayda. No norte, os curdos dominam o território conhecido como Curdistão sírio e cuja cidade principal é Hasaka. Ismaelitas estão ao lado do coração do país, formado, além da capital, pelas cidades de Hama e Homs. Os cristãos pipocam pelo território em médias concentrações e os beduínos circulam pelo deserto. O Estado sírio, nas suas fronteiras formais, vê-se por esse quadro, não existe mais unitariamente. No território estão presentes interesses de potências planetárias e regionais.

A Síria enfrenta acusações de uso de gás de ataca o sistema nervoso e que matou ao menos 1.400 rebeldes em agosto

Os cinco integrantes com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU têm envolvimento. A França e a Grã-Bretanha, com a veleidade de reconquistarem papel ao tempo do domínio colonial, fornecem armas aos insurgentes e, por tabela, aos jihadistas que tentam derrubar Assad. Do lado oposto, e em apoio ao ditador, estão a China e a Rússia, esta que, nos portos sírios, mantém bases navais. Os atores regionais contra Assad são a ainda laica Turquia e os sunitas Catar e Arábia Saudita. A sustentar Assad estão os xiitas do Irã, com os grupos Pasdaran e o Basij a adestrar alauí-tas e xiitas sírios, como, por exemplo, as diversas milícias. Há ainda o braço armado do partido libanês Hezbollah. Enquanto isso, o outro ator, Israel, destaca o risco de o arsenal de armas químicas passar para as mãos de terroristas islâmicos. Continuar lendo

Síria, entenda a crise e os conflitos.

Introdução

A mais sangrenta e violenta das Revoltas da chamada “Primavera Árabe” visando derrubar ditadores no mundo árabe (a luta teve início em março de 2011). 

Mais de 100 mil pessoas já morreram desde o início do conflito na Síria, há mais de dois anos, afirmou nesta quarta-feira o Observatório Sírio para Direitos Humanos, baseado em Londres. Segundo o grupo, um total de 100.191 pessoas morreram nos 27 meses de conflito. Desse número, 36.661 são civis.

No lado do governo, 25.407 são membros das forças armadas do presidente Bashar Assad, 17.311 são combatentes pró-governo e 169 são militantes do grupo libanês Hezbollah, que têm lutado ao lado das tropas do Exército. Entre os oponentes de Assad, morreram 13.539 rebeldes, 2.015 desertores do Exército e 2.518 combatentes estrangeiros.

No início do mês, a Organização das Nações Unidas afirmou que o número de mortos nos conflitos estava em 93 mil entre março de 2011 até o fim de abril deste ano.

O governo não divulgou números oficiais. A imprensa estatal publicava os nomes dos mortos no lado do governo nos primeiros meses de conflitos, mas depois interrompeu as publicações.  Continuar lendo

Os EUA e a conjuntura geopolítica internacional

O novo papel dos EUA depois do início do segundo período presidencial de Obama tem sido o de afirmar sua liderança no cenário mundial. Primeiro vai fortalecendo a economia interna em seu país, orientando a liquidez monetária para o consumo de massas. Depois, impulsiona a corrida tecnológica em serviços informáticos e de comunicação.

Mario Burkun*

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Caso Manning: sinal da decadência americana?

Protestos em Fort Meade, onde Bradley Manning permanece detido

Se condenarem soldado que denunciou horrores da guerra, EUA atingirão liberdade de imprensa e confirmarão declínio de sua democracia

Glenn Greenwald, entrevistado por Amy Goodman, do Democracy Now Tradução: Cauê Seignemartin Ameni

Começou semana passada (3/6) no Fort Meade, sede da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, um dos mais importantes julgamentos na recente história daquele país. Após 1.100 dias detido em cativeiro militar, acusado de entregar mais de 700 mil documentos para o site Wikileaks, o soldado Bradley Manning, hoje com 25 anos, responderá em corte marcial 22 acusações, entre as quais “cooperação com o inimigo (Al-Qaeda)”, o que pode levá-lo a prisão perpetua. Continuar lendo

Guerra esquecida: Iraque vive nova onda de violência com centenas de mortos

Cenário atual lembra os piores dias da violência sectária que, entre 2005 e 2007, matava uma média de três mil por mês

Nesta quinta-feira (30/05), foram 11. Somente nos últimos sete dias, 166. Levando em conta abril – o mês mais violento do ano –, mais de 700. Apesar de o número de mortos crescer de forma assustadora no Iraque, não se pode dizer o mesmo sobre a atenção mundial dada ao país, invadido pelos Estados Unidos há pouco mais de 10 anos.

Família iraquiana caminha em frente a praça de Bagdá onde pelo menos sete pessoas foram mortas e 34 ficaram feriadas

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A delicada paz entre Armênia e Azerbaijão

Vinte anos após a tomada de Shushi por tropas armênias, o cessar-fogo é mais precário do que nunca nas montanhas do Nagorno-Karabakh. O rápido rearmamento do Azerbaijão levanta o temor de uma retomada dos combates. Os dois povos pagam um preço alto pelo impasse político e diplomático

por Philippe Descamps

“Não olhe por mais de quinze segundos.” Uma pequena abertura de concreto permite perceber furtivamente uma linha de fios de arame farpado e, a menos de 200 metros, a primeira linha de soldados do Azerbaijão. No fundo dessa trincheira do setor de Askeran, no lado armênio, tudo lembra uma cena da Primeira Guerra Mundial: modestas casamatas, sacos de areia, um pequeno fogão à lenha e algumas ridículas latas enferrujadas para sinalizar uma intrusão noturna. Os três soldados desse posto têm 20 anos. Eles vêm da capital Erevan. O oficial deles encontrou a frente relativamente calma hoje…

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