Sob a sombra da repressão, Ruanda se reconstrói 20 anos após genocídio

País fez julgamentos e reduziu pobreza, mas ainda tem pouca liberdade.
Genocídio contra etnia tutsi deixou ao menos 800 mil mortos em 100 dias.

Era 1994, o Brasil chorava a morte de Ayrton Senna, a África do Sul elegia seu primeiro presidente negro no pós-apartheid, o Reino Unido e a França inauguravam o Eurotúnel e a Otan fazia o primeiro ataque contra aviões sérvios durante a guerra da Bósnia. No mesmo ano, em 100 dias, de abril a junho, 800 mil pessoas morriam assassinadas em Ruanda. O genocídio, termo adotado após muito debate nos comitês da ONU, foi um dos episódios mais sangrentos da segunda metade do século XX, e afetou quase um terço da população do pequeno país do centro da África. Continuar lendo

A Aliança do Pacífico e seus progressos

O acordo de integração é o mais ambicioso e promissor das Américas

A Aliança do Pacífico (AP) é provavelmente o tema mais candente da atualidade na integração econômica da América Latina. Vejamos por quê. Criada há pouco mais de dois anos, ela prevê uma integração de grande envergadura entre Chile, Colômbia, México e Peru, e se tornou rapidamente o mais ambicioso e promissor acordo de integração nas Américas. Os encontros internacionais abordam o tema com grande interesse, como ocorreu na reunião do Fórum Econômico Mundial, no final de janeiro em Davos. Não é de se estranhar que 25 países tenham solicitado a condição de observadores da AP, entre eles Estados Unidos, Canadá, China e Japão, além de latino-americanos como Costa Rica, Panamá e Uruguai. A Costa Rica já formalizou sua solicitação de adesão à AP. Com um PIB combinado de mais de 2 trilhões de dólares, um mercado de 209 milhões de pessoas e quase 10.000 dólares de renda per capita, é um mercado muito interessante para os investidores locais e estrangeiros. Representa 35% do PIB da América Latina, maior que o Brasil em termos de população e produto interno bruto. E, como suas economias são muito abertas, a AP concentra mais de 41% do comércio da América Latina com o resto do mundo. Continuar lendo

Como ocorreu o milagre econômico de Hong Kong – da pobreza à prosperidade

Hong Kong, dias atuais

Com milhões de refugiados chineses, sofrendo com um embargo comercial e com sua infraestrutura estrangulada, a Hong Kong do início da década de 1950 parecia confirmar os prognósticos pessimistas feitos no século XIX.

No entanto, esta enxurrada de refugiados era composta por milhões de indivíduos que, embora completamente pobres, fugiram para Hong Kong em busca de liberdade.  E embora Hong Kong não possuísse a infraestrutura adequada para recebê-los, ela fornecia ampla liberdade para qualquer indivíduo que quisesse colocar seus talentos empreendedoriais em ação.

Não havia na ilha as mesmas restrições cambiais vigentes no Reino Unido e em grande parte da Europa — o que significava que o dólar de Hong Kong, que era ancorado à libra esterlina, era livremente conversível em outras moedas —, e a quantidade de regulamentações sobre a economia era desprezível.

A combinação entre mão-de-obra à procura de trabalho e empreendedores com conhecimento e algum capital oriundos de Xangai — até então a grande cidade capitalista chinesa — forneceu a matéria-prima para o crescimento industrial iniciado na década de 1950.  A economia começou a prosperar. Continuar lendo

Democracia ou Capitalismo?

A democracia liberal foi derrotada pelo capitalismo e não me parece que seja derrota reversível. Portanto, trata-se de inventar nova democracia

Por Boaventura de Sousa Santos 

No início do terceiro milênio as esquerdas debatem-se com dois desafios principais: a relação entre democracia e capitalismo; o crescimento econômico infinito (capitalista ou socialista) como indicador básico de desenvolvimento e de progresso. Nesta carta, centro-me no primeiro desafio.

Ao contrário do que o senso comum dos últimos cinquenta anos nos pode fazer pensar, a relação entre democracia e capitalismo foi sempre uma relação tensa, senão mesmo de contradição. Foi-o certamente nos países periféricos do sistema mundial, o que durante muito tempo foi chamado Terceiro Mundo e hoje se designa por Sul global. Mas mesmo nos países centrais ou desenvolvidos a mesma tensão e contradição esteve sempre presente. Basta lembrar os longos anos do nazismo e do fascismo.

Uma análise mais detalhada das relações entre capitalismo e democracia obrigaria a distinguir entre diferentes tipos de capitalismo e sua dominância em diferentes períodos e regiões do mundo e entre diferentes tipos e graus de intensidade de democracia. Nesta carta concebo o capitalismo sob a sua forma geral de modo de produção e faço referência ao tipo que tem vindo a dominar nas últimas décadas, o capitalismo financeiro. No que respeita à democracia centro-me na democracia representativa tal como foi teorizada pelo liberalismo. Continuar lendo

Para compreender o “Decrescimento”

Movimento não é saudosista, nem anticivilizatório. Mas sustenta: sem rever padrões de consumo e produção, “progresso” resultará em desigualdade e devastação

Por Alan Bocato-Franco

Pouco frequente, ainda, no Brasil, um debate tomou corpo e expandiu-se rapidamente nos últimos anos, em paralelo ao desconforto com o capitalismo e seus impasses. Trata-se da ideia de “decrescimento”. “Outras Palavras” abordou-o em diversos textos, no passado — mas deu-lhe destaque especial em 10 de outubro. Um artigo do cientista político catalão Vicenç Navarro criticava “algumas teorias” do decrescimento. Em sua opinião, elas acabam reduzindo-se a um ambientalismo elitista e antissocial, ao sugerirem, diante de países em crise, a continuação das políticas de “austeridade”, que geram mais desemprego e desindustrialização.

O artigo de Navarro gerou importante polêmica, na seção de comentários dos leitores. “Outras Palavras” convidou um dos polemistas, Alan Bocato-Franco, a escrever uma réplica. O resultado foi melhor que a encomenda. Muito mais que polemizar com Navarro — com quem, aliás, parece compartilhar pontos de vista –, Alan traça, no texto a seguir, um importante panorama sobre a origem, sentido e história das teorias do “decrescimento”. Continuar lendo

Falta infraestrutura que promova integração entre países da África, diz ex-ministro de Lula

Segundo Franklin Martins, responsável pela série “Presidentes Africanos”, continente vive “momento crucial”

A África atual se ressente da falta de uma infraestrutura que promova a integração entre os países do continente, segundo o jornalista e ex-ministro Franklin Martins, que acaba de estrear a série de reportagens “Presidentes Africanos”.

O documentário, contendo 15 episódios, é composto de entrevistas com os líderes de 13 dos maiores países africanos, entre os quais África do Sul, Moçambique, Egito e Tunísia. Também são apresentadas características históricas e geográficas e a realidade do continente que mais cresceu economicamente nos últimos dez anos.

Franklin Martins foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do Brasil durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, de 2007 até 2010. “Presidentes Africanos” marca seu retorno à TV como jornalista. A série é exibida nos canais Discovery Civilization e Band.

Em entrevista a Opera Mundi, Martins conta suas impressões do “momento crucial” da África, em geral, e dos líderes com os quais conversou, que têm “consciência da importância da democracia”. Leia abaixo: Continuar lendo

O protesto, a baderna e o resto

Não há nada de interessante no ‘despertar do gigante’. Na verdade, ele só despertará mesmo se mudarem as caras dos manifestantes e os meus vizinhos começarem a reclamar da falta de dinheiro. O que me incomoda, fora o discurso da mídia conservadora, é que tem uma brisa fascista circulando pelo Brasil. Por Najar Tubino, de Porto Alegre

Najar Tubino

Porto Alegre – Vou começar pelo resto. Dia 20 de junho, uma quinta-feira, pensei em assistir a um filme na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. Quinta é o dia da promoção – R$5,00 por cabeça. Continuar lendo

Dilma perdoa dívida de países africanos

Medida facilitará a busca por crédito e fortalecerá o crescimento das nações

Países do Bric são os maiores parceiros comerciais dos africanos (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom /ABr)

Semana passada, na Etiópia, a presidenta Dilma Roussef perdoou ou facilitou o pagamento de US$ 897,7 milhões de dívidas de doze países africanos com o Brasil. É a mesma situação daquele cartão de crédito ou financiamento das Casas Bahia que você fez e não conseguiu pagar. Seu nome foi para o Serasa e ficou “sujo”.

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Xangai vive o sonho chinês. E também seu pesadelo

A cidade já é próspera e imponente como quer o governo central, mas é também muito desigual

O skyline de Xangai, com edifício cada vez mais altos e imponentes

A China entrou na década da construção do sonho chinês, para usar o slogan cunhado pelo novo presidente Xi Jinping no início do mandato, em março deste ano. O conceito remeteria à renovação da nação, para a qual o governo espera contar com a mobilização de todos. Uma nação rumo à prosperidade e felicidade, segundo o discurso oficial.

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O que está em jogo na OMC

Mexicano e brasileiro disputam liderança de organização que se viciou em proteger países ricos. Pela primeira vez, isso pode mudar

Por Mark Weisbrot, na Al Jazeera | Tradução: Vila Vudu

Em 2004, quando as negociações comandadas por Washington a favor de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) já estavam praticamente fracassadas, Adhemar Bahadian, brasileiro, co-presidente da comissão de negociações, descreveu com muito espírito o clima de frustração reinante. Comparou o acordo a “uma stripper de cabaré barato”: “à noite, na penumbra, é uma deusa” – disse ele à imprensa. – “Mas à luz do dia a moça é coisa completamente diferente. Talvez nem seja mulher.”

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