Geopolítica da Copa do Mundo

Garrincha prepara-se para driblar, na Copa do Mundo da Suécia, em 1958

Brasil organiza torneio no momento exato em que mídia ocidental, ressentida, tenta demonizar BRICS. Mas países do Sul serão capazes de propor ordem global alternativa?

Por Pepe Escobar | Tradução: Vila Vudu

Numa das imagens que, até aqui, definem a Copa do Mundo, vê-se a Mannschaft alemã – a seleção alemã de futebol – confraternizando com índios pataxó, a poucas centenas de metros de distância de onde o Brasil foi “descoberto”, em 1500. Praticamente, um redescobrimento dos trópicos exóticos.

E há também a seleção inglesa, deitando e rolando à beira-mar, numa base militar, com o Pão de Açúcar como deslumbrante pano de fundo, sob uma parafernália de equipamentos e respectivo especialista científico em umidade e ventiladores industriais (afinal, haverá o “Duelo na Selva” contra a Itália, no próximo sábado, “nas profundezas da Floresta Tropical Amazônica”, como dizem tabloides britânicos.) Continuar lendo

A Segunda Guerra Fria

À diferença do conflito original do século XX, desta vez a briga não se alimenta da ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA e da Rússia

por André Barrocal

Membros das tropas russas montam guarda perto do navio da marinha ucraniana no porto da cidade ucraniana de Sevastopol

O brasileiro que se desligou do mundo e caiu na folia durante o Carnaval tem motivos para um certo déjà vu ao voltar à realidade nesta quarta-feira de Cinzas. Em um lugar de nome esquisito e bem longe do Brasil, Estados Unidos e Rússia travam uma batalha diplomática que corre o risco de descambar para as armas. Aliados a forças locais distintas de um país em ebulição, Moscou e Washington lutam para que o poder caia nas mãos de um governo alinhado. E parece não haver meio termo: ou se está afinado com um lado ou com o outro. A Guerra Fria ressuscitou?

A crise na Ucrânia, aguçada com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro, tem muitos dos ingredientes da disputa “capitalistas x comunistas” que rachou o globo após a II Guerra Mundial. No sábado 1°, o parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Na terça-feira 4, Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com 1 bilhão de dólares de ajuda. Continuar lendo

Wallerstein: crise dos “emergentes” ou do Sistema?

Novas turbulências sugerem: vivemos época de bifurcação. Em declínio, capitalismo será superado – por algo bem melhor ou bem pior que ele…

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins

Não faz muito tempo, os “especialistas” e os investidores viam os “mercados emergentes” – um eufemismo para China, Índia, Brasil e alguns outros – como salvadores da economia-mundo. Eram eles que iriam sustentar o crescimento e, portanto, a acumulação de capitais, quando os EUA, a União Europeia e o Japão declinavam, em seu papel tradicional de pilastras do sistema capitalista global.

Por isso, é chocante que, nas duas últimas semanas de janeiro, o Wall Street Journal (WSJ), Financial Times (FT), o Main Street, a agência Bloomberg, o New York Times (NYT) e o Fundo Monetário Internacional tenham, todos, soado o alarme sobre o “colapso” destes mesmos mercados emergentes; e que tenham advertido, em especial, sobre a deflação, que poderia ser “contagiosa”. Tive a impressão de que estão em pânico, quase indisfarçável. Continuar lendo

Revolução Iraniana: 35 anos de resistência e avanços

O Irã vai surpreendendo o mundo, graças aos seus elevados indicadores sociais, educacionais, pelo seu desenvolvimento cultural e científico

Beto Almeida

Imediatamente após a eclosão da Revolução Islâmica no Irã – um poderoso movimento de massas liderado pelo aiatolá Khomeini – o imperialismo congelou todas as reservas iranianas no sistema bancário internacional, estimadas em 100 bilhões de dólares. Isso foi em 11 de fevereiro de 1979, quando, ao preço de grande quantidade de vidas, esta rebelião popular se levantou corajosamente contra a ditadura monárquica do Xá Reza Pahlevi, que governava a nação persa mediante um brutal opressão praticada pela sanguinária polícia Savak, sem a menor sombra de eleições durante décadas, e com o total apoio das chamadas “democracias ocidentais”, especialmente os EUA e a Inglaterra.

Aliás, no momento em que foi derrubada, a monarquia do Xá estava justamente implementando, com o apoio de tecnologia inglesa, o seu programa nuclear. Era o cálculo cego do imperialismo sobre os movimentos da história, que, naquele ano de 1979, também daria ao mundo a Revolução Sandinista, na Nicarágua, em 19 de julho, inaugurando outra via histórica para a pátria de Sandino, que a faz hoje um país membro da Celac, tendo eliminado uma vez o analfabetismo, preparando-se para fazê-lo pela segunda vez, sempre com o apoio indispensável de Cuba. Continuar lendo

O Brasil, os EUA e o “Hemisfério Ocidental” (2)

Henry Kissinger encontra Augusto Pinochet: nos anos 1970, EUA substituíram proposta de intervenção militar, em caso de ameaça à sua hegemonia na América do Sul, por forma mais sutil de intervenção civil e militar “interna”

Para diplomacia norte-americana, manter supremacia sobre América do Sul continua sendo essencial. Por isso, prosseguirá tentativa de enfraquecer governos que Washington vê como “populistas”

Por José Luís Fiori

“A new form of nationalism may emerge, seeking national or regional
identity by confronting the United States. In its deepest sense,
the challenge 
of Western Hemisphere policy for the United States is
whether it can help bring about the world
envisioned by Free Trade Area of the Americas,
or whether the Western Hemisphere, for the first time in its history,
will break up into competing blocs;
whether democracy and free markets
will remain the dominant institutions
or whether there is a gradual relapse into populist authoritarianism.”

Henry. Kissinger “Does America Need a Foreign Policy?”

Henry Kissinger foi um formulador estratégico menos original do que Nicholas Spykman, mas em compensação ocupou inúmeras posições de governo e participou de algumas decisões internacionais que o transformaram numa das figuras mais importantes da política externa norte-americana, da segunda metade do século XX. Ele deixou a academia e se transformou em conselheiro governamental, no primeiro governo de Eisenhower, em 1953, e manteve presença nos governos republicanos até o final das administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, de quem foi Conselheiro de Segurança, e Secretario de Estado, respectivamente. Neste último período, Henry Kissinger teve papel decisivo na redefinição da estratégia internacional dos EUA, depois da crise econômica do início dos anos 70, e depois da derrota americana no Vietnã, em 1973. Foi quando ele concebeu ou participou de algumas decisões norte-americanas que deixaram marcas profundas na história da diplomacia internacional. Entre elas, a das negociações de paz, no Vietnã, que levaram à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e a das negociações secretas com Chou en Lai e Mão Tse Tung , em 1971 e 1972, que levaram à reaproximação dos Estados Unidos com a China, e a reconfiguração completa da geopolítica mundial antes e depois do fim da Guerra Fria. Continuar lendo

À beira da guerra civil

Viktor Yanukovych tenta evitar o pior, mas a tensão cresce dia a dia

Os opositores ainda ocupam 4 prédios governamentais e exigem a demissão do presidente

Na noite de quinta-feira 30, a Ucrânia parecia à beira de uma guerra civil. Com problemas respiratórios e febre alta em seu palácio de cinco andares 40 quilômetros ao norte de Kiev, o presidente Viktor Yanukovych, de 63 anos, postou no website presidencial: “O governo cumpriu todas as suas obrigações”. E emendou: mas a oposição política continua a protestar. E como. Na Praça da Independência, imagens televisivas mostravam uma catapulta apenas, construída pelos manifestantes. Objetivo: arremessar paralelepípedos contra o Parlamento. Mais conhecido como Rada, nessa semana aprovou uma lei para anistiar centenas de manifestantes detidos ao sabor de leis draconianas a proibir protestos públicos e censurar a mídia, impostas pelo presidente. Continuar lendo

O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”

Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente no século XX. Em que medida proposição prevalece?

Por José Luis Fiori

As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos. 

E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente 
tenham que ser chamadas igualmente de América, 
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem

N. Spykman, “America´s Strategy in World Politics”

Tudo indica que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século. Continuar lendo

Por que a Síria pode incendiar o Oriente Médio

Immanuel Wallerstein descreve o caos geopolítico da região e alerta: “não há mais controle; será preciso sorte, para evitar uma explosão”

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Henri RousseauGuerra (1894)

Houve um tempo em que todos, ou quase todos os atores no Oriente Médio, tinham posições claras. Era possível antecipar, com alto grau de êxito, como este ou aquele ator reagiria a qualquer fato novo. Este tempo passou. Se examinarmos a guerra civil na Síria, perceberemos rapidamente não apenas que cada ator estabelece para si mesmo um largo leque de objetivos, mas também que cada um está envolvido em debates internos ferozes, sobre que posição deveria adotar.

No próprio interior da Síria, a situação oferece três opções básicas. Há quem apoie, por diversas razões, a manutenção do regime hoje no poder. Há os que desejem a chamada “solução salafista, na qual alguma forma de regime da sharia islâmica se estabelece. E existem os que não querem nenhum destes desfechos, preferindo uma solução em que o regime de Assad é derrubado mas não se instala, em seu lugar, um regime salafista. Continuar lendo

Os legados geopolíticos de 2013

Aprofunda-se declínio dos EUA e União Europeia. Primavera Árabe reflui. China amplia suas ambições. Persiste ameaça climática. Francisco reintroduz debate da desigualdade

Por Roberto Savio

No momento de esperança que o ano novo pode oferecer, seria útil examinar o legado que recebemos dos doze meses que terminam. Foi um ano cheio de acontecimentos: guerras, aumento da desigualdade social, sistemas financeiros sem controle social, decadência das instituições políticas e erosão da governança global.

Talvez nada haja de novo nisso, já que tais tendências nos acompanham há bastante tempo. No entanto, alguns acontecimentos têm impacto mais profundo e duradouro. Vamos apresentá-las brevemente, em forma de lista para recordar e conferir (mas não em ordem de magnitude) Continuar lendo

O jogo de ‘morde e assopra’ da Rússia com a Ucrânia

Dmitri Trenin

Especial para a BBC*

Presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, recebeu propostas de incentivos da Rússia

Para o presidente da Rússia, Vladimir Putin, relações internacionais significam competição, que se intensifica a cada dia. A relação com a Ucrânia não deixaria de ser diferente.

Putin reiterou esses principais no discurso do Estado da Nação, na semana passada. Os principais competidores são “grandes unidades geopolíticas”: os Estados Unidos, a China e a Europa, ainda que os europeus não tenham uma estratégica unificada.

Para ganhar competitividade, a Rússia precisa expandir seu poder, criando uma união econômica, política e militar na Eurásia. Continuar lendo