Geopolítica e Ética internacional

Usar direitos humanos como pretexto para intervenções militares pressupõe hierarquia entre povos cuja ilegitimidade foi identificada já no século XVII

“Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra
que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras.”
Hugo Grotius, O Direito da Guerra e da Paz, 1625

Por José Luis Fiori

Por definição, todo poder territorial é limitado e expansivo. Envolve a existência de fronteiras, e de algum tipo de “inimigo externo” ou “bárbaro”, de quem se defender e a quem “conquistar” e “civilizar”. Por isto, os projetos expansivos de poder sempre se revestem de algum sentido de missão, e adotam algum sentido moral e messiânico. E toda conquista vitoriosa produz e impõe algum tipo de discurso e de ordem ética “supranacional”. Em muitos casos, estes poderes expansivos se associaram com religiões que se propunham ajudar na conquista messiânica e na “conversão” dos povos bárbaros. E o mesmo aconteceu com o colonialismo europeu, até o momento em que adotou a retórica laica e universalista do “direito natural”, e mais recentemente, dos “direitos humanos” e das “intervenções humanitárias”. Continuar lendo

A América do Sul em busca da riqueza energética

Gasoduto boliviano: em 2006, país nacionalizou uma de suas riquezas naturais mais importantes

Como países da região reconquistaram, a partir da virada do século, petróleo, gás e eletricidade antes controlados por empresas estrangeiras

Por Igor Fuser


Este texto, cujo título original é “O nacionalismo de recursos no século 21”1, corresponde ao capítulo 10 do livro “Energia e Relações Internacionais” (Editora Saraiva, 2013), de Igor Fuser. O autor, que ofereceu o texto aos leitores de “Outras Palavras”, convida para debate sobre a obra, nesta quinta-feira, às 18h, no curso de Relações Internacionais da PUC de São Paulo, Sala 117-A Prédio Novo (Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – veja mapa).

O papel do Estado na gestão dos recursos energéticos

No período que se inicia em 2000, a tendência de alta dos preços da energia inverteu a prolongada depreciação dos recursos energéticos ao longo das décadas de 1980 e 1990. No mundo inteiro, fortaleceu-se a posição das empresas estatais de hidrocarbonetos em sua relação com as transnacionais. Conforme já foi relatado no Capítulo 5, atualmente 77% das reservas mundiais de petróleo se encontram sob o controle de estatais ou semiestatais. Essas empresas – conhecidas pelo acrônimo em inglês NOCs, de National Oil Companies – administram seus recursos energéticos a partir de interesses que nem sempre coincidem com as prioridades do mercado internacional e dos países mais desenvolvidos2. As NOCs, como agentes das políticas públicas traçadas pelos respectivos governos, geralmente buscam outros objetivos além de maximizar a extração e os lucros, tais como a redistribuição da renda nacional, a geração de receitas fiscais e a promoção do desenvolvimento. Estimulados pela alta dos preços, os governos em todos os países produtores de hidrocarbonetos têm procurado reforçar o controle sobre esses recursos, adotando medidas voltadas para ampliar a sua participação na renda petroleira, ou seja, nos excedentes gerados pelas exportações de petróleo e gás natural. Continuar lendo

A devastadora “modernidade” do novo Iphone 5

Suspeita de comprar estanho que é extraído por crianças e arrasa um paraíso ambiental, Apple reage tratando usuários como otários

Por Vinicius Gomes

Toda vez que um novo iPhone está para ser lançado, produz-se um frisson mundial. No caso do novo Iphone 5S, não foi diferente. Pessoas acamparam por semanas em frente à loja da Apple em Nova York, esperando que suas portas se abrissem. Quando isso finalmente ocorreu, foram saudadas pelos funcionários como se tivessem acabado de conquistar uma medalha de ouro nas Olimpíadas. Mas por trás de toda a fanfarra de marketing, existe uma realidade que quase nunca é acompanhada pela mídia com tanta empolgação como as filas em frente das lojas. Continuar lendo

O cidadão Teletubbie

Pensar pra quê? Ouvir o voto pra quê? Em nosso primário exercício de assimilação, tudo “termina em pizza” e ninguém precisa de juiz. Basta votar em enquete

O método Telettubies de assimilação política: basta ver uma imagem e repetir “bo-bo, “ban-di-do”, “sa-fa-dos”, “ca-na-lha”

Há um momento da vida em que o mundo ao redor é um amontoado de signos sem significados. Chama-se infância. Nessa fase, uma pedra não é uma pedra. Não tem sequer nome. É apenas um material disforme que simplesmente existe. À medida que aprendemos que uma pedra é uma pedra e não um ovo, passamos a assimilar a ideia de valor e grandeza. De significado, enfim. Leva tempo.

Mal resumindo, é assim que aprendemos a compreender o mundo, até então uma associação inicial e pouco sofisticada de ideias projetadas em sílabas repetidas vagarosamente. Como numa peça de Lego, encaixamos as sílabas “a” “ma” “re” e “lo” e associamos o borrão apresentado em um cartaz, ou na tevê, ao nome das cores. Vemos o desenho de um arco ascendente e alguém explica ser um “sor-ri-so”. E descobrimos que a bola de fogo a-ma-re-la de-se-nha-da é o “sol”. Daí o sucesso de programas como Teletubbies na formação dos nossos quadrúpedes (porque ainda engatinham) não alfabetizados. Peça por peça, eles aprendem a codificar o mundo. E se tornam adultos. Continuar lendo

Por que o Bolsa Família é importante

O programa social exerceu um papel civilizador, ao permitir às mães planejar, e impedindo as crianças de morrer

Selma Ferreira, primeira beneficiária de programa modelo para Bolsa Família

Já tinha alguns anos de jornalismo, o País começava a lutar pela redemocratização, fui entrevistar Abraham Lowenthal, um dos pensadores do Partido Democrata norte-americano e estudioso da América Latina.

Na época, nós, jornalistas econômicos, estávamos empenhadíssimos em convencer o meio empresarial de que a democracia era um “bom negócio”. Fiz uma série de perguntas sobre a importância da democracia para a economia.

A resposta de Lowenthall me derrubou. “A democracia é importante porque é importante. Não precisa de justificativas econômicas”. Continuar lendo

Qual a diferença entre tornado, tufão e furacão?

Conheça o que diferencia esses fenômenos que prometem se intensificar nos próximos anos

São Paulo – Tornado, tufão e furacão. Talvez a primeira imagem que venha à cabeça a respeito desse trio seja um funil de vento violento fazendo coisas girarem, não? Apesar de guardarem algumas semelhanças, são  fenômenos diferentes. E é bom nos prepararmos, porque eles deverão se tornar piores e mais frequentes, em função das mudanças climáticas, como promete reiterar o quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Continuar lendo

Mar Morto: a praia onde nenhum banhista corre risco de afundar

A salinidade é dez vezes superior à dos oceanos. Com 30% de sais minerais em suspensão, a água pesa mais que o corpo humano. Em nenhum lugar do mundo é tão fácil nadar.

Os paredões por onde a equipe do Globo Repórter passou marcam o nível do mar. Daqui pra frente, estamos abaixo dos oceanos.

A equipe entrou na depressão do Mar Morto, a mais profunda do planeta, com 411 metros.

O Mar Morto, que, na verdade, é um lago salgado de 80 quilômetros de extensão, é compartilhado por Israel e Jordânia. Uma linha imaginária, no meio do lago divide os dois países.

Da rodovia israelense, se avistam, do outro lado, as montanhas da Jordânia. É onde, até hoje, os dois países se encaram, frente a frente. E eles estão cada vez mais perto porque o lago é cada vez menor.

Nos últimos 50 anos, o nível baixou 22 metros por causa da retirada excessiva da água do Rio Jordão, principalmente para a irrigação.

Difícil é ficar embaixo da água. A salinidade é dez vezes superior à dos oceanos.

Com 30% de sais minerais em suspensão, a água pesa mais que o corpo humano. Em nenhum lugar do mundo é tão fácil nadar. Ninguém precisa de socorro. Salva-vidas lá, vive desempregado. Continuar lendo

O imperialismo dos direitos humanos e a falsidade das suas premissas

A universalização dos direitos humanos (que também aparece como “difusão dos valores da democracia”) não é construída sem intenções: é apenas uma nova justificativa para o exercício de um novo poder mundial, no caso dos Estados Unidos

por Ronaldo Bastos

Hoje é muito discutida a questão da universalização dos direitos humanos. Conectado a esse paradigma, que é contestado e contestável, emerge um problema difícil de ser resolvido, que consiste em saber como fica a autonomia dos Estados num contexto em que eles, enquanto signatários da Carta das Nações Unidas, seriam corresponsáveis pelo estabelecimento do chamado sistema de “governança global” e, por conseguinte, teriam que respeitar e promover o direito internacional dos direitos humanos.

No século XXI, isso tem uma importância ainda mais abrangente, pois, principalmente após 1989, com o desmantelamento da União Soviética e a ascensão dos Estados Unidos como única superpotência mundial, fica evidente, na política externa norte-americana, oimperialismo desempenhado pelos (e em nome dos) direitos humanos. Isso porque tal política consiste na invasão dos mais variados Estados (é só pensar nas invasões ao Iraque e ao Afeganistão e, mais recentemente, na discussão sobre a invasão da Síria) para a aplicação da democracia ou para o enfrentamento da “guerra contra o terror”. Como é notório, ambos os objetivos dizem respeito à universalização dos direitos humanos, vale dizer, universalização de uma específica forma de governar e guiar o Estado.

Segundo Hobsbawm,[1] o imperialismo dos direitos humanos tem características peculiares. Em primeiro lugar, parte da proposição da legitimidade e até da necessidade de intervenções armadas internacionais para introduzir ou impor os direitos humanos em uma era de crescente barbárie. Em segundo lugar, os regimes tiranos seriam imunes à mudança interna, de modo que apenas a força armada externa poderia conduzi-los a adotar os valores e instituições políticas ocidentais. Em terceiro lugar, acredita-se que tais instituições podem ter êxito em qualquer lugar e, assim, cuidar eficazmente dos problemas transnacionais e trazer a paz ao invés de instaurar a desordem. Continuar lendo

Pará, onde a terra é poder

A vida dos camponeses sem terra que ocupam fazendas no Pará, estado onde a luta agrária é das mais violentas, oscila entre as intimidações e a aspersão de agrotóxicos sobre casas e plantações

Por Fabíola Ortiz

Sob o sol abrasador e a umidade do clima amazônico, Waldemar dos Santos, de 60 anos, cuida da horta comunitária de camponeses sem terra no Estado do Pará, à espera de que a reforma agrária lhe proporcione uma vida melhor. “Meu sonho é um terreninho. Nosso desejo é acabar com a fome neste país, que está caindo montanha abaixo pela necessidade”, disse ao Terramérica o camponês natural da Bahia, que ainda criança, para fugir da seca, emigrou para o Pará.

Sua família é uma das 280 que desde 8 de agosto de 2010 vivem no acampamento que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) batizou de Frei Henri des Roziers, em homenagem ao padre dominicano de 82 anos que, como advogado da Comissão Pastoral da Terra, continua defendendo os direitos humanos na região. Continuar lendo

Conheça 7 ataques químicos que os EUA se negam a comentar

Às vésperas de uma possível ação militar sob a justificativa de uso de armas químicas, relembre episódios que Washington não faz questão de citar

Por Dodô Calixto

1. O Exército norte-americano no Vietnã. Durante a guerra, no período de 1962 até 1971, as Forças Armadas dos EUA despejaram cerca de 20 milhões de galões – 88,1 milhões de litros aproximadamente – de armamento químico no país asiático. O governo vietnamita estima que mais de 400 mil pessoas morreram vítimas dos ataques; 500 mil crianças nasceram com alguma deficiência física em função de complicações provocadas pelos gases tóxicos. E o dado mais alarmante: mais de um milhão de pessoas têm atualmente algum tipo de deficiência ou problema de saúde em decorrência do Agente Laranja – poderosa arma química disparada durante o conflito. Continuar lendo