Saída de cena do Subcomandante Marcos reflete nova etapa do EZLN em Chiapas

O personagem, uma das ferramentas de comunicação dos zapatistas desde o levante de 1994, evidenciou a invisibilidade dada à população indígena mexicana

“Queria pedir paciência, tolerância e compreensão às companheiras, companheiros e companheiroas, porque essas serão minhas últimas palavras em público antes de deixar de existir”. Já era madrugada de 25 de maio quando os milhares de milicianos, insurgentes e bases de apoio do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), perfilados e encapuzados no centro do caracol de La Realidad, puderam ouvir o discurso do Subcomandante Insurgente Marcos. Marcos falou sobre a morte do zapatista Galeano, assassinado durante ataques paramilitares no dia 2 de maio.

O que ninguém esperava é que a cerimônia de homenagem a mais um combatente que cai desde que o EZLN declarou guerra ao Estado mexicano, em 1º de janeiro de 1994, fosse marcar também a saída de cena de seu porta-voz e principal figura pública. A substituição pelo indígena Moisés, também Subcomandante, representa mais do que o fim de um “personagem”, como o próprio Marcos se define.

Ela é resultado de uma série de transformações pelas quais os neozapatistas passaram desde 17 de novembro de 1983, data em que o movimento foi fundado na Selva Lacandona de Chiapas. Na época, contavam com apenas seis membros –  cinco homens e uma mulher, sendo três indígenas e três mestiços – como Marcos, que só chegaria à Selva em 1984. Continuar lendo

O imperialismo dos direitos humanos e a falsidade das suas premissas

A universalização dos direitos humanos (que também aparece como “difusão dos valores da democracia”) não é construída sem intenções: é apenas uma nova justificativa para o exercício de um novo poder mundial, no caso dos Estados Unidos

por Ronaldo Bastos

Hoje é muito discutida a questão da universalização dos direitos humanos. Conectado a esse paradigma, que é contestado e contestável, emerge um problema difícil de ser resolvido, que consiste em saber como fica a autonomia dos Estados num contexto em que eles, enquanto signatários da Carta das Nações Unidas, seriam corresponsáveis pelo estabelecimento do chamado sistema de “governança global” e, por conseguinte, teriam que respeitar e promover o direito internacional dos direitos humanos.

No século XXI, isso tem uma importância ainda mais abrangente, pois, principalmente após 1989, com o desmantelamento da União Soviética e a ascensão dos Estados Unidos como única superpotência mundial, fica evidente, na política externa norte-americana, oimperialismo desempenhado pelos (e em nome dos) direitos humanos. Isso porque tal política consiste na invasão dos mais variados Estados (é só pensar nas invasões ao Iraque e ao Afeganistão e, mais recentemente, na discussão sobre a invasão da Síria) para a aplicação da democracia ou para o enfrentamento da “guerra contra o terror”. Como é notório, ambos os objetivos dizem respeito à universalização dos direitos humanos, vale dizer, universalização de uma específica forma de governar e guiar o Estado.

Segundo Hobsbawm,[1] o imperialismo dos direitos humanos tem características peculiares. Em primeiro lugar, parte da proposição da legitimidade e até da necessidade de intervenções armadas internacionais para introduzir ou impor os direitos humanos em uma era de crescente barbárie. Em segundo lugar, os regimes tiranos seriam imunes à mudança interna, de modo que apenas a força armada externa poderia conduzi-los a adotar os valores e instituições políticas ocidentais. Em terceiro lugar, acredita-se que tais instituições podem ter êxito em qualquer lugar e, assim, cuidar eficazmente dos problemas transnacionais e trazer a paz ao invés de instaurar a desordem. Continuar lendo

Assange: a América Latina na era das cyberguerras

Espionagem global é ponta de gigantesco iceberg. Controle dos fluxos de comunicação é nova arma dos Impérios. Alternativa pode estar no Sul

Por Julian Assange | Tradução: Vila Vudu | Imagem: Diego Rivera,  Niños Héroes

O que começou como meio para preservar a liberdade individual pode agora ser usado por Estados menores, para frustrar as ambições dos maiores.

cypherpunks[1] originais eram, na maioria, californianos libertaristas.[2]  Eu vim de tradição diferente, onde todos nós buscávamos proteger a liberdade individual contra a tirania do Estado. Nossa arma secreta era a criptografia. Continuar lendo

Para que o Brasil não seja imperialista

Multiplicam-se laços com a África. É possível pensar numa relação descolonizada — ao contrário das mantidas por potências tradicionais e “emergentes”?

Multiplicam-se laços com a África. É possível pensar numa relação descolonizada — ao contrário das mantidas por potências tradicionais e “emergentes”?

Por Oliver Stuenkel

As potências emergentes estão se mudando para a África. O papel da China no continente é amplamente examinado hoje em dia. O da Índia, ainda é um tema marginal, mas um número crescente de analistas passou a sistematicamente estudá-lo. O Brasil, por sua vez, é o novato, e bastante desconhecido, mas suas atividades suscitam cada vez mais interesse ao redor do mundo. Considerando-se que o Brasil não precisa importar energia nem alimentos (fatores de motivação importantes tanto para a China quanto para a Índia), quais são seus interesses na África? Continuar lendo