A insustentável ideologização da questão indígena

O governo federal demonstra que o Estado continua a funcionar ora como incendiário – por exemplo, ao jogar na arena dos leões uma proposta de reformulação que mexe com o tema mais delicado da política indigenista, a demarcação de terras –, ora como bombeiro, por meio da intensificação da atuação da Polícia Federal

por Luis Roberto de Paula

quem interessa colocar mais lenha na fogueira das complexas situações conflituosas que envolvem povos indígenas e setores distintos da sociedade brasileira, incluindo órgãos públicos federais, estaduais e municipais?

Para muitos porta-vozes do autodenominado “setor produtivo agrícola”, que ultimamente passaram a se autoidentificar pelo codinome de guerra “ruralistas”, há um grande conluio em curso no Brasil, sob patrocínio de supostos interesses internacionais, para estimular a associação entre índios, ONGs e parte do governo federal (via a Fundação Nacional do Índio − Funai) com o claro intuito de desestabilizar o mais importante setor produtivo nacional, o agronegócio; a reboque dessa tragédia, impedir o desenvolvimento do país e, mais grave ainda, criar condições para colocar em xeque a soberania nacional. Continuar lendo

Geopolítica e Ética internacional

Usar direitos humanos como pretexto para intervenções militares pressupõe hierarquia entre povos cuja ilegitimidade foi identificada já no século XVII

“Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra
que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras.”
Hugo Grotius, O Direito da Guerra e da Paz, 1625

Por José Luis Fiori

Por definição, todo poder territorial é limitado e expansivo. Envolve a existência de fronteiras, e de algum tipo de “inimigo externo” ou “bárbaro”, de quem se defender e a quem “conquistar” e “civilizar”. Por isto, os projetos expansivos de poder sempre se revestem de algum sentido de missão, e adotam algum sentido moral e messiânico. E toda conquista vitoriosa produz e impõe algum tipo de discurso e de ordem ética “supranacional”. Em muitos casos, estes poderes expansivos se associaram com religiões que se propunham ajudar na conquista messiânica e na “conversão” dos povos bárbaros. E o mesmo aconteceu com o colonialismo europeu, até o momento em que adotou a retórica laica e universalista do “direito natural”, e mais recentemente, dos “direitos humanos” e das “intervenções humanitárias”. Continuar lendo

De quem é a terra na Bolívia?

O delicado problema de conflitos fundiários e de territórios, que por tantos anos foi ignorado, começa a ser discutido no país

O delicado problema de conflitos fundiários e de territórios, que por tantos anos foi ignorado, começa a ser discutido no país

Por Lídia Amorim

Todos os dias, antes que o sol saia no horizonte, Octavio Yauquirena se levanta para trabalhar. A divisão de trabalho na comunidade onde vive se dá de acordo com o que o coletivo decide, distribuindo-se tarefas como caçar, pescar, cuidar das árvores de cacau silvestre, plantar, colher, limpar terreno. Octavio é indígena guarayo, e vive na comunidade de Urubichá. A poucos quilômetros dali está o que antes era a fazenda de Laguna Coração e agora é uma comunidade campesina. No local, vive Ceferino Cuentas. Quando a fazenda foi expropriada, ele veio com sua família de La Paz, e hoje tem seu pequeno pedaço de terra onde planta produtos orgânicos em sistemas diversificados. E, ao lado do grupo de camponeses, separados apenas por uma pequena estrada de chão, está uma grande propriedade de soja. Continuar lendo