Geopolítica da Copa do Mundo

Garrincha prepara-se para driblar, na Copa do Mundo da Suécia, em 1958

Brasil organiza torneio no momento exato em que mídia ocidental, ressentida, tenta demonizar BRICS. Mas países do Sul serão capazes de propor ordem global alternativa?

Por Pepe Escobar | Tradução: Vila Vudu

Numa das imagens que, até aqui, definem a Copa do Mundo, vê-se a Mannschaft alemã – a seleção alemã de futebol – confraternizando com índios pataxó, a poucas centenas de metros de distância de onde o Brasil foi “descoberto”, em 1500. Praticamente, um redescobrimento dos trópicos exóticos.

E há também a seleção inglesa, deitando e rolando à beira-mar, numa base militar, com o Pão de Açúcar como deslumbrante pano de fundo, sob uma parafernália de equipamentos e respectivo especialista científico em umidade e ventiladores industriais (afinal, haverá o “Duelo na Selva” contra a Itália, no próximo sábado, “nas profundezas da Floresta Tropical Amazônica”, como dizem tabloides britânicos.) Continuar lendo

Genocídio Armênio: as consequências de 99 anos de negação e esquecimento

Reconhecimento do massacre e atual limpeza étnica em Kessab são chave para entender esse povo tão peculiar

“Eu gostaria de ver qualquer força deste mundo destruir esta raça, esta pequena tribo de pessoas sem importância, cujas guerras foram todas lutadas e perdidas, cujas estruturas foram todas destruídas, cuja literatura não foi lida, a música não foi ouvida, e as preces já não são mais atendidas. Vá em frente, destrua a Armênia. Veja se consegue. Mande-os para o deserto sem pão ou água. Queimem suas casas e igrejas. Daí veja se eles não vão rir, cantar e rezar novamente! Quando dois armênios se encontrarem novamente em qualquer lugar neste mundo, veja se eles não vão criar uma nova Armênia”, escreveu em 1935 o autor norte-americano de origem armênia William Saroyan.

Sobre todas essas desgraças, o escritor se refere principalmente ao primeiro genocídio do século XX, praticado pelos turcos contra os armênios há exatamente 99 anos. Mas o que faz o extermínio desta “pequena tribo de pessoas sem importância” algo digno de se lembrar? Geralmente, o ato de recordação de um massacre vem da necessidade de honrar seus mortos e manter latentes os acontecimentos para que estes não se repitam. Contudo, esse não é o caso dos armênios. Continuar lendo

4 novos países que podem surgir em 2014

Quatro consultas populares, similares às da Crimeia, estão marcadas para esse ano – e podem resultar em novas nações

Manifestantes marcham pelas ruas de Barcelona em 11 de setembro, Dia Nacional para o povo catalão, que exige referendo para independência da Espanha: região é uma das quatro com consulta popular marcada para 2014

A população da Crimeia participou de um referendo no último dia 16 e escolheu em massa a Rússia em vez da Ucrânia: 93% optaram por voltar a fazer parte do império russo.

No mundo, quatro consultas parecidas estão marcadas para 2014.

Se o povo desses lugares votar a favor da independência, quatro novas nações poderiam surgir no mapa-múndi – o que dependeria, é claro, da “boa vontade” do governo central e de todo o processo legal necessário.

Veja a seguir onde sopram os ventos do separatismo: Continuar lendo

A Guerra Fria ainda não acabou

O inimigo do bloco ocidental agora não é o comunismo, mas sim todos os povos não ocidentais (BRICS, ALBA, Unasul) que questionam a ordem unipolar do mundo

Pierre Charasse (*)

A crise na Ucrânia coloca em evidência a crescente distância que separa o bloco ocidental da Rússia. Desde o colapso da URSS, em 1991, no mundo ocidental, sob a liderança dos Estados Unidos, foi estabelecida como prioridade estratégica não permitir nunca que a Rússia se elevasse novamente enquanto superpotência mundial. Os Estados Unidos desenvolveram uma estratégia de contenção para obrigar seus aliados da União Europeia e da OTAN a estabelecer toda uma rede de acordos políticos, comerciais e militares para impedir a Rússia de exercer novamente um papel de contraposição mundial aos Estados Unidos. Nos anos 90, os ex-membros da URSS entraram na OTAN e Washington pressionou a UE para admiti-los como novos sócios, desvirtuando assim o espírito originário da instituição europeia.

Está claro que, para o governo norte-americano, os espaços cobertos pela UE e pela OTAN devem coincidir. Desde os anos 90, a prioridade para os ocidentais era forçar a Rússia, derrotada ideologicamente e economicamente debilitada, mas ainda uma superpotência nuclear, a uma certa conduta, em particular sobre o desarmamento convencional, em troca de uma aproximação com as economias ocidentais. Criou-se a OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) em 1995 para tratar dos assuntos referentes ao desarmamento convencional e das fronteiras da periferia da Rússia. Continuar lendo

Venezuela e Ucrânia: algo em comum?

Venezuela e Ucrânia, portanto, têm sim algo em comum: sua importância do ponto de vista geoestratégico e energético para o mundo ocidental.

“Venezuela e Ucrânia são situações absolutamente díspares”, ressaltou a Presidenta Dilma. Com toda razão. Entretanto, muito além de toda a disparidade que diferencia ambas as situações, algo há em comum: tanto Venezuela quanto Ucrânia consistem em alvos dos interesses geoestratégicos e energéticos da agressiva política externa norte-americana.

A Venezuela é palco de sucessivas tentativas de desestabilização de seu governo democraticamente eleito e socialmente orientado, desde a primeira eleição de Hugo Chávez. Cabe lembrar que, de acordo com a CEPAL, a Venezuela tornou-se após o chavismo o país com melhor distribuição de renda na América Latina. Como mesmo após a morte do líder a oposição saiu derrotada das urnas, o que resta é uma alternativa ilegítima impulsionada pelo governo norte-americano. Continuar lendo

A Segunda Guerra Fria

À diferença do conflito original do século XX, desta vez a briga não se alimenta da ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA e da Rússia

por André Barrocal

Membros das tropas russas montam guarda perto do navio da marinha ucraniana no porto da cidade ucraniana de Sevastopol

O brasileiro que se desligou do mundo e caiu na folia durante o Carnaval tem motivos para um certo déjà vu ao voltar à realidade nesta quarta-feira de Cinzas. Em um lugar de nome esquisito e bem longe do Brasil, Estados Unidos e Rússia travam uma batalha diplomática que corre o risco de descambar para as armas. Aliados a forças locais distintas de um país em ebulição, Moscou e Washington lutam para que o poder caia nas mãos de um governo alinhado. E parece não haver meio termo: ou se está afinado com um lado ou com o outro. A Guerra Fria ressuscitou?

A crise na Ucrânia, aguçada com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro, tem muitos dos ingredientes da disputa “capitalistas x comunistas” que rachou o globo após a II Guerra Mundial. No sábado 1°, o parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Na terça-feira 4, Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com 1 bilhão de dólares de ajuda. Continuar lendo

Entenda os protestos na Venezuela

Ala radical da oposição quer forçar presidente Maduro a deixar o poder.
Oito pessoas já morreram desde o começo das manifestações no país.

Multidão marcha em manifestação contra o governo de Maduro em Caracas, em mais um dos diversos protestos que pararam as principais cidades do país em fevereiro

A Venezuela tem enfrentado momentos de tensão desde o início de fevereiro, com protestos de estudantes e opositores contra o governo. A situação se agravou em 12 de fevereiro, quando uma manifestação contra o presidente Nicolás Maduro terminou com três mortos e mais de 20 feridos. Ao mesmo tempo em que milhares foram às ruas para criticar o governo – em um contexto de inflação, insegurança, escassez de produtos básicos e alta criminalidade –, outros milhares se manifestaram em favor de Maduro e contra os oposicionistas. Continuar lendo

Destituição de presidente agrava turbulência na Ucrânia; entenda

Ucrânia está no centro de uma disputa entre UE e Rússia

A destituição, pelo Parlamento, do presidente Viktor Yanukovych aumentou, neste sábado, a turbulência sociopolítica na Ucrânia, após uma semana de sangrentos protestos na capital Kiev.

Yanukovych recusou-se a abandonar o governo e afirmou que a medida do Parlamento – que prevê eleições em maio – é um “golpe de Estado”. Na prática, porém, a administração presidencial e a própria Kiev já estão fora de seu controle.

Ao mesmo tempo, a líder opositora e ex-premiê Yulia Tymoshenko foi libertada (após ter sido condenada, em 2011, a sete anos de prisão, por abuso de poder) e discursou a uma multidão na Praça da Independência, em Kiev, pedindo a continuação dos protestos. Continuar lendo

Wallerstein: crise dos “emergentes” ou do Sistema?

Novas turbulências sugerem: vivemos época de bifurcação. Em declínio, capitalismo será superado – por algo bem melhor ou bem pior que ele…

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins

Não faz muito tempo, os “especialistas” e os investidores viam os “mercados emergentes” – um eufemismo para China, Índia, Brasil e alguns outros – como salvadores da economia-mundo. Eram eles que iriam sustentar o crescimento e, portanto, a acumulação de capitais, quando os EUA, a União Europeia e o Japão declinavam, em seu papel tradicional de pilastras do sistema capitalista global.

Por isso, é chocante que, nas duas últimas semanas de janeiro, o Wall Street Journal (WSJ), Financial Times (FT), o Main Street, a agência Bloomberg, o New York Times (NYT) e o Fundo Monetário Internacional tenham, todos, soado o alarme sobre o “colapso” destes mesmos mercados emergentes; e que tenham advertido, em especial, sobre a deflação, que poderia ser “contagiosa”. Tive a impressão de que estão em pânico, quase indisfarçável. Continuar lendo

Revolução Iraniana: 35 anos de resistência e avanços

O Irã vai surpreendendo o mundo, graças aos seus elevados indicadores sociais, educacionais, pelo seu desenvolvimento cultural e científico

Beto Almeida

Imediatamente após a eclosão da Revolução Islâmica no Irã – um poderoso movimento de massas liderado pelo aiatolá Khomeini – o imperialismo congelou todas as reservas iranianas no sistema bancário internacional, estimadas em 100 bilhões de dólares. Isso foi em 11 de fevereiro de 1979, quando, ao preço de grande quantidade de vidas, esta rebelião popular se levantou corajosamente contra a ditadura monárquica do Xá Reza Pahlevi, que governava a nação persa mediante um brutal opressão praticada pela sanguinária polícia Savak, sem a menor sombra de eleições durante décadas, e com o total apoio das chamadas “democracias ocidentais”, especialmente os EUA e a Inglaterra.

Aliás, no momento em que foi derrubada, a monarquia do Xá estava justamente implementando, com o apoio de tecnologia inglesa, o seu programa nuclear. Era o cálculo cego do imperialismo sobre os movimentos da história, que, naquele ano de 1979, também daria ao mundo a Revolução Sandinista, na Nicarágua, em 19 de julho, inaugurando outra via histórica para a pátria de Sandino, que a faz hoje um país membro da Celac, tendo eliminado uma vez o analfabetismo, preparando-se para fazê-lo pela segunda vez, sempre com o apoio indispensável de Cuba. Continuar lendo