De Mercator ao Google Maps

Decisões cartográficas podem fazer enorme diferença na forma como percebemos o mundo


Mapa da África por Janszoon Blaeu em 1635: “em vez de cidades, elefantes”

 

Mais ou menos na metade do impressionante e espirituoso poema do irlandês Jonathan Swift, “Sobre a Poesia: Uma Rapsódia”, o escritor satírico do século 18 volta brevemente sua atenção para os mapas da África, escrevendo:

“Assim, os geógrafos, em cartas africanas,
Com cenas selvagens preenchem as lacunas,
E no interior, inóspito e distante,
Em vez de cidades, colocam um elefante.”

Na época de Swift, os exploradores europeus haviam apenas margeado as regiões costeiras da África; seu interior permanecia, para todos os fins, um mistério. Mas, como observa o poeta, em vez de simplesmente deixar o interior do continente vazio, os cartógrafos “preenchem as lacunas” com aquilo que acreditam residir nestas regiões remotas do mundo, como estranhos macacos, leões itinerantes e “em vez de cidades, colocam um elefante”. Continuar lendo

Entenda os protestos na Venezuela

Ala radical da oposição quer forçar presidente Maduro a deixar o poder.
Oito pessoas já morreram desde o começo das manifestações no país.

Multidão marcha em manifestação contra o governo de Maduro em Caracas, em mais um dos diversos protestos que pararam as principais cidades do país em fevereiro

A Venezuela tem enfrentado momentos de tensão desde o início de fevereiro, com protestos de estudantes e opositores contra o governo. A situação se agravou em 12 de fevereiro, quando uma manifestação contra o presidente Nicolás Maduro terminou com três mortos e mais de 20 feridos. Ao mesmo tempo em que milhares foram às ruas para criticar o governo – em um contexto de inflação, insegurança, escassez de produtos básicos e alta criminalidade –, outros milhares se manifestaram em favor de Maduro e contra os oposicionistas. Continuar lendo

O que sobrou do império?

Uma sociedade de classes que, em economia, nega hipocritamente o legado de John Maynard Keynes. Por Gianni Carta

O primeiro-ministro britânico David Cameron

Encerrado o tempo de um império que dominou o mundo até o século XIX, os britânicos ainda são tidos como guardiões de uma eficaz política econômica, bem-sucedidos administradores e líderes governamentais. O sistema de classes na loura Albion permanece intacto. Boris Johnson, o prefeito de Londres, recomenda impávido: “A ganância e o espírito de inveja devem ser celebrados”. Colega do premier conservador David Cameron em Eton (escola para privilegiados onde estudaram os príncipes William e Harry), e com ambições de substituí-lo nas legislativas de 2015, Johnson acredita em uma sociedade de classes. Aqueles com QI mais elevado saem-se melhor em busca do lucro. Já quem dispõe de menor capacidade tem de aceitar seu papel medíocre. A desigualdade faz parte do jogo, para gerar o crescimento econômico, diz Johnson.

Cameron pertence à elite, embora às vezes use o termo “compaixão”. No entanto, não se manifestou com seu sotaque empastado de Eton e Oxford sobre os infelizes comentários de Johnson. Já os tories, assumidamente elitistas, certamente sentiram-se revigorados pelo discurso do prefeito. Por ora, Ed Miliband, o líder na oposição do Partido Trabalhista, está na dianteira das pesquisas eleitorais, ganharia se o pleito fosse hoje. Miliband haverá de focar sua campanha em uma sociedade igualitária, não de classes. Para que serve o desenvolvimento? Continuar lendo

ESPECIAL DAVID HARVEY – 3 entrevistas realizadas com o geógrafo em sua última passagem pelo Brasil

O marxista que quer reinventar as cidades (I)

David Harvey provoca, em longa entrevista: é hora de adaptar ambiente urbano ao tipo de gente que queremos ser

Entrevista a Vince Emanuele | Tradução: Sônia Scala Padalino

Se vivemos em cidades que nos infernizam e aprisionam, qual a causa de sua desumanidade? E, mais importante: que caminhos permitirão transformá-las? As respostas, para esta questão crucial, raramente coincidem. Às vezes, são genéricas demais e paralisam: núcleos urbanos insuportáveis seriam consequência necessária de um sistema que coloca o lucro acima dos seres humanos. Só o fim do capitalismo abriria espaço para novas cidades. Em outros casos, as respostas são muito pouco ambiciosas. Diante de adversários poderosíssimos – o poder econômico e uma política institucional cada vez mais impermeável às aspirações sociais – deveríamos nos concentrar em humanizar espaços restritos. Uma bairro, uma praça, uma horta comunitária.

Acaba de percorrer três cidades brasileiras – Rio, Florianópolis e São Paulo – David Harvey, um pensador que busca, há décadas, soluções para este impasse. Geógrafo, Harvey é também marxista. Para ele, portanto, o degradação das cidades está associada ao capitalismo. Continuar lendo

Assim se constrói um planeta desigual

o preço decomposto do seu cafezinho emerge intermediação global, que espolia agricultores e provoca inflação cada vez mais segregadora

Por Ladislau Dowbor | Foto: Letícia Freire

A visão que herdamos é a de que lucro se gera na empresa, que paga aos trabalhadores menos do que o valor obtido. Isto sem dúvida é verdadeiro, quer chamemos o valor obtido de lucro, de mais valia, ou, de maneira mais neutra, de excedente. Não há muito a acrescentar neste debate. O que queremos aqui focar é como este lucro se desloca na cadeia produtiva. Continuar lendo

É possível um outro sistema financeiro?

A natureza particular da atividade financeira transforma o setor em elemento que sintetiza as contradições sociais e econômicas de toda a sociedade. Ali estão presentes os aspectos mais marcantes do capitalismo contemporâneo. O sistema financeiro é intrinsecamente portador e reprodutor da desigualdade.

Paulo Kliass

Apenas poucos dias após os principais bancos privados apresentarem seus resultados relativos ao primeiro semestre deste ano, agora vem a notícia bombástica do Banco do Brasil (BB). A maior instituição financeira nacional, um banco bicentenário e constituído sob a forma de empresa de economia mista, registrou em seu balanço o maior lucro semestral de uma instituição do gênero no País. Foram R$ 10 bilhões de lucro líquido no período de janeiro a junho.

Continuar lendo

A economia e seus impactos na população

Desde meados do governo Lula, as conquistas econômicas e seus reflexos na sociedade geraram um clima de otimismo que não foi quebrado nem mesmo pelo baixo crescimento dos últimos anos. Emprego e renda em alta ajudam a explicar a popularidade da gestão petista, mas, afinal, as transformações realizadas foram profundas?

por Luís Brasilino

As mudanças na economia brasileira a partir do início do governo Lula, como o crescimento do PIB e o aumento da participação dos serviços, representaram o que, na prática, para a população? Para o sociólogo Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP), a situação é contraditória: apesar dos efeitos positivos da elevação do emprego e da formalização, “a reprodução das bases do atual modelo de desenvolvimento impõe enormes obstáculos para a satisfação das inúmeras necessidades da classe trabalhadora brasileira” Continuar lendo

Mudanças necessárias

por Silvio Caccia Bava

A crise financeira internacional está demonstrando que as grandes corporações transnacionais, sejam elas financeiras ou não, não se importam com os territórios em que operam, só se preocupam em maximizar seus lucros. Quando os custos sobem em um lugar, elas apenas se mudam para onde esses custos são mais baixos, deixando um rastro de desemprego e de degradação ambiental, forçando governos a competirem entre si na destituição de direitos. Suas políticas são globais e se assentam na exploração de circuitos longos de produção e consumo, nas ditas vantagens comparativas de países que aviltam a remuneração do trabalho e nem mesmo protegem o meio ambiente. Continuar lendo