A Guerra Fria ainda não acabou

O inimigo do bloco ocidental agora não é o comunismo, mas sim todos os povos não ocidentais (BRICS, ALBA, Unasul) que questionam a ordem unipolar do mundo

Pierre Charasse (*)

A crise na Ucrânia coloca em evidência a crescente distância que separa o bloco ocidental da Rússia. Desde o colapso da URSS, em 1991, no mundo ocidental, sob a liderança dos Estados Unidos, foi estabelecida como prioridade estratégica não permitir nunca que a Rússia se elevasse novamente enquanto superpotência mundial. Os Estados Unidos desenvolveram uma estratégia de contenção para obrigar seus aliados da União Europeia e da OTAN a estabelecer toda uma rede de acordos políticos, comerciais e militares para impedir a Rússia de exercer novamente um papel de contraposição mundial aos Estados Unidos. Nos anos 90, os ex-membros da URSS entraram na OTAN e Washington pressionou a UE para admiti-los como novos sócios, desvirtuando assim o espírito originário da instituição europeia.

Está claro que, para o governo norte-americano, os espaços cobertos pela UE e pela OTAN devem coincidir. Desde os anos 90, a prioridade para os ocidentais era forçar a Rússia, derrotada ideologicamente e economicamente debilitada, mas ainda uma superpotência nuclear, a uma certa conduta, em particular sobre o desarmamento convencional, em troca de uma aproximação com as economias ocidentais. Criou-se a OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) em 1995 para tratar dos assuntos referentes ao desarmamento convencional e das fronteiras da periferia da Rússia. Continuar lendo

Chavismo completa 15 anos no poder neste domingo; relembre fatos mais marcantes

Com frases de efeito, medidas populares e forte resistência opositora, chegada de Hugo Chávez ao poder foi divisor de águas na Venezuela

1999
Eleito com 56% dos votos no ano anterior, Hugo Chávez assume a presidência no dia 2 de fevereiro de 1999 jurando sobre o que classificou como “moribunda Constituição”. Com aprovação popular, uma Assembleia Constituinte para a redação de nova Carta Magna é convocada. Em dezembro, os venezuelanos aprovam o teor da nova Constituição, que passa a substituir a de 1961.

Hugo Chávez durante visita ao Brasil, em 2003

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A reinvenção da América Latina

Se até agora sua inserção com o resto do mundo esteve condicionada pela presença das potências imperiais, com o novo século começou a trilhar outro caminho

Luis Hernández Navarro (*)

Em 1958, o historiador mexicano Edmundo O’Gormam publicou um livro intitulado La invención de América, com o qual sacudiu a historiografia dedicada a documentar e explicar o descobrimento e a conquista americana. Inventar, significa, de acordo com o dicionário da Real Academia da Língua, achar ou descobrir algo novo ou não conhecido.

Em seu texto, O´Gormam explica, de maneira nova para seu tempo, a forma em que o relato sobre a história e o devenir do “novo continente” foi construído. Hoje, retomando essa imagem, podemos dizer que América Latina está se reinventando. Continuar lendo

Os possíveis rumos da Venezuela

O jornalista e historiador Gilberto Maringoni acredita que o chavismo sobreviverá sem seu mentor, mas o país tem o desafio de diversificar sua base produtiva. Esta é uma matéria da edição 121 da Fórum, em bancas.

Por Felipe Rousselet. Foto de capa por http://www.flickr.com/photos/rufino_uribe/.

Morto em 5 de março, Hugo Chávez tem uma presença fortíssima na Venezuela. Mas a continuidade do chavismo não estaria tão atrelada à figura do comandante. “O abalo da perda de Chávez, embora tenha sido grande, não foi estrutural. Não compromete o futuro das transformações sociais que acontecem na Venezuela”, acredita o jornalista e historiador Gilberto Maringoni, autor de A revolução venezuelana.

Para Maringoni, um dos grandes desafios do próximo governo do país será tentar diversificar a base produtiva do país, muito dependente da exportação de petróleo. “Todos os presidentes, desde os anos 1950, tentaram industrializar o país. O problema é que o petróleo é uma riqueza constante. Você fura o poço e está exportando, ganhando dinheiro”, explica. “Essa entrada de dinheiro faz com que o país fique com uma reserva muito grande de petrodólares e com uma propensão a importar. Lá, é muito mais fácil importar automóveis do que gastar 10 ou 15 anos para instalar uma fábrica, que vai maturar o investimento e demorar para começar a dar lucro.”

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Boaventura Santos: Chávez e o papel do carisma

Para sociólogo português, identificação com governante popular pode mobilizar e conscientizar. Problema é que termina com a morte

Por Boaventura de Sousa Santos, no site de Ladislau Dowbor

Morreu o líder político democrático mais carismático das últimas décadas. Quando acontece em democracia, o carisma cria uma relação política entre governantes e governados particularmente mobilizadora, porque junta à legitimidade democrática uma identidade de pertença e uma partilha de objetivos que está muito para além da representação política. As classes populares, habituadas a serem golpeadas por um poder distante e opressor (as democracias de baixa intensidade alimentam esse poder) vivem momentos em que a distância entre representantes e representados quase se desvanece. Continuar lendo