A Segunda Guerra Fria

À diferença do conflito original do século XX, desta vez a briga não se alimenta da ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA e da Rússia

por André Barrocal

Membros das tropas russas montam guarda perto do navio da marinha ucraniana no porto da cidade ucraniana de Sevastopol

O brasileiro que se desligou do mundo e caiu na folia durante o Carnaval tem motivos para um certo déjà vu ao voltar à realidade nesta quarta-feira de Cinzas. Em um lugar de nome esquisito e bem longe do Brasil, Estados Unidos e Rússia travam uma batalha diplomática que corre o risco de descambar para as armas. Aliados a forças locais distintas de um país em ebulição, Moscou e Washington lutam para que o poder caia nas mãos de um governo alinhado. E parece não haver meio termo: ou se está afinado com um lado ou com o outro. A Guerra Fria ressuscitou?

A crise na Ucrânia, aguçada com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro, tem muitos dos ingredientes da disputa “capitalistas x comunistas” que rachou o globo após a II Guerra Mundial. No sábado 1°, o parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Na terça-feira 4, Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com 1 bilhão de dólares de ajuda. Continuar lendo

Política e ideologia na China contemporânea

Gruas e guindastes representam mais a China de hoje do que a foice e o martelo. São esses os grandes símbolos nacionais na atualidade.

Vinicius Wu

A política chinesa é um dos maiores enigmas do mundo contemporâneo. A vitalidade e a estabilidade do regime comunista, duas décadas após a falência de seus congêneres do Leste Europeu, seguem intrigando analistas e observadores de diferentes países e vertentes ideológicas. As questões levantadas a seguir pretendem refletir sobre a estrutura política que, afinal, dará suporte àquela que será, em breve, a maior economia do planeta.

Especular sobre o presente e o futuro da nação de 1,3 bilhões de seres humanos é algo tão tentador quanto necessário – ao menos para aqueles que se preocupam com a compreensão do mundo no qual vivemos. Mas, de antemão, é preciso reconhecer que se trata de um terreno arriscado, afinal, a desinformação a respeito da realidade chinesa segue contribuindo para a reprodução de uma série de estereótipos em torno de diagnósticos pouco precisos no Ocidente. Além disso, a experiência nos ensina que análises a respeito da estabilidade de um determinado regime político devem ser cautelosas e pacientes. A história costuma ser bastante irônica com avaliações marcadas por assertivas definitivas e certezas irrevogáveis. Continuar lendo

Xenofobia em nome do Estado de bem-estar social

Uma vez que as finanças públicas vão mal, é preciso resguardar o sistema de proteção social rastreando os fraudadores, mas também os estrangeiros. Esse raciocínio, martelado por diversos dirigentes políticos europeus, ganha cada vez mais legitimidade

por Alexis Spire

Enquanto as soluções para tirar a União Europeia da crise econômica despertam ásperos debates, há um assunto que é consenso entre os líderes políticos do Velho Continente: a luta contra aqueles que estariam abusando dos sistemas de proteção social. Os imigrantes da África e do Magrebe, e mais recentemente os ciganos, são o foco principal dessa nova cruzada contra os “assistidos”. Em uma carta de 23 de abril de 2013, os ministros do Interior alemão, inglês, austríaco e holandês apresentaram queixa à Presidência da Irlanda denunciando “fraudes e abusos sistemáticos do direito à livre circulação proveniente dos outros países da União Europeia”. Teríamos passado de uma imigração econômica para um turismo de benefícios sociais. Continuar lendo

ESPECIAL NELSON MANDELA – 9 matérias sobre o líder africano

O Evangelho segundo Mandela

Não podemos nos esquecer que países como Israel, EUA e Inglaterra apoiaram durante décadas o regime do apartheid. Se dependesse deles, Mandela teria morrido na prisão, a África do Sul ficaria afundada no caos e o mundo não teria a oportunidade de fabricar a lenda do novo Messias

por Alain Gresh

Um herói do nosso tempo”, afirmava o Courrier Internacional de junho de 2010. “Ele mudou a história”, valoriza ainda mais a revista Le Nouvel Observateur de maio de 2010. Acompanhadas de fotos de Nelson Mandela sorridente, essas duas capas são o testemunho de uma adoração quase unânime, a qual o filme Invictus, do diretor Clint Eastwood, levou à apoteose. Com a Copa do Mundo de futebol, se intensifica o culto ao profeta visionário que rejeitou a violência e guiou seu povo em direção a uma terra prometida onde vivem, em harmonia, negros, mestiços e brancos. O presídio de Robben Island, onde ele ficou encarcerado por 18 anos, passou a ser lugar de visitação obrigatória para turistas estrangeiros, e lembra um passado um pouco nebuloso, do tempo em que oapartheid desonra e suscita condenação universal, em primeiro lugar, a dos democratas ocidentais.

Cristo foi morto na cruz há aproximadamente dois mil anos. Muitos pesquisadores se perguntam sobre a correspondência entre o Jesus dos Evangelhos e o Jesus histórico. O que conhecemos da vida terrestre do “filho de Deus”? De quais documentos dispomos para definir sua pregação? Os testemunhos resgatados no Novo Testamento são realmente confiáveis? Continuar lendo

Nosso racismo é um crime perfeito

O antropólogo Kabengele Munanga fala sobre o mito da democracia racial brasileira, a polêmica com Demétrio Magnoli e o papel da mídia e da educação no combate ao preconceito no país

Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria

Fórum – O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial? Como foi essa mudança para o senhor?

Kabengele – Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida.

Depois, com o tempo, na academia, fiz disciplinas em antropologia e alguns de meus professores eram especialistas na questão racial. Foi através da academia, da literatura, que comecei a descobrir que havia problemas no país. Uma das primeiras aulas que fiz foi em 1975, 1976, já era uma disciplina sobre a questão racial com meu orientador João Batista Borges Pereira. Depois, com o tempo, você vai entrar em algum lugar em que está sozinho e se pergunta: onde estão os outros? As pessoas olhavam mesmo, inclusive olhavam mais quando eu entrava com minha mulher e meus filhos. Porque é uma família inter-racial: a mulher branca, o homem negro, um filho negro e um filho mestiço. Em todos os lugares em que a gente entrava, era motivo de curiosidade. O pessoal tentava ser discreto, mas nem sempre escondia. Entrávamos em lugares onde geralmente os negros não entram. Continuar lendo

O quê as revoltas de 2013 têm em comum

Milhares de estudantes protestam em Lima, no Peru, marchando em direção ao prédio do Congresso Nacional contra um projeto de lei que, segundo eles, viola a autonomia universitária

Na Turquia, Brasil, Bulgária e Peru o que se assemelha não é ideologia – mas arquitetura de convocação das multidões

Por Bernardo Gutiérrez,

Como o acampamento no parque Taksim de Istambul influenciou os protestos no Brasil? O surgimento repentino de os Indignados do Peru se explica como contágio regional? Existe algum ponto em comum nos protestos dos três países anteriores e as manifestações na Bulgária contra seu governo? Os analistas costumam buscar motivos concretos para explicar as revoltas dos últimos tempos. E transformam o diagnóstico inicial em tese irrefutável. Istambul se levantou para proteger o parque Taksim da mercantilização neoliberal. As urbes brasileiras se levantaram contra o aumento do preço do transporte. Os peruanos se indignaram frente a um governo que tentou distribuir cargos públicos de forma pouco transparente. Os búlgaros cercam o congresso durante semanas para protestar contra o aumento exagerado das faturas de água e gás e o conluio da classe política com grupos mafiosos. Mas ditas causas explicam as intensos protestos dos últimos meses? Continuar lendo

Técnicas para a fabricação de um novo engodo, quando o antigo pifa

Nesse momento, é possível assistir, com nitidez cristalina e ao vivo, cada etapa da linha de produção de uma nova ideologia. E já que a mercadoria ainda não está pronta, é fundamental tomarmos nota de seus componentes para não corrermos o risco de fornecer matéria-prima

por Silvia Viana

Um bom começo para a reflexão que deve se seguir ao dia de ontem (e acompanhar aqueles que virão): observar atentamente a reconstrução do discurso da grande mídia.

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As falhas no Relatório IDH brasileiro

Diogo Costa

A falta de análise crítica da velha mídia é uma chaga nacional. As notícias veiculadas sobre o IDH referente ao ano de 2012 beiram a má-fé… Vejamos o caso de nossos vizinhos do Cone Sul. Chile, Argentina e Uruguai SEMPRE tiveram indicadores sociais melhores do que o Brasil. Onde está a novidade? A novidade é que o Brasil (que segundo a própria ONU tinha em 1980 um IDH similar ao do Paraguai) vai subindo e alcançando paulatinamente esses três países que SEMPRE tiveram indicadores superiores aos de Pindorama.

Segundo o relatório, os três países latino-americanos que mais avançaram percentualmente no índice de IDH entre o período 2000/2012 foram, respectivamente, Nicarágua, Venezuela e Cuba. Também segundo o relatório, os três países do mundo que mais avançaram percentualmente no índice de IDH entre o período 2000/2012 foram, respectivamente, Afeganistão, Serra Leoa e Etiópia. Constatações essas que não vimos serem veiculadas em nenhum ‘grande’ meio de comunicação.

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