O Brasil mantém a aposta na agricultura contra a crise dos emergentes

A valorização do dólar e até uma estiagem, que deve reduzir a oferta de alimentos, deixam o setor do agronegócio otimista com as perspectivas para os preços das commodities

Trabalhador na época da colheita do café.

Enquanto os mercados financeiros globais passam a olhar com desconfiança para os países emergentes, o Brasil mantém a sua aposta nas commodities agrícolas contra a crise que mudou o status do país de bola da vez para patinho feio. Embora tenham caído entre 9% e 25% na Bolsa em relação ao ano passado, os preços das principais matérias-primas agrícolas exportadas pelo país, como soja, milho e açúcar, foram compensados pela alta do dólar. A cadeia do agronegócio corresponde a 25% do PIB brasileiro e em 2013 suas exportações geraram receitas de 82,6 bilhões de dólares, ou 34,5% do total nacional. A expectativa dos exportadores é, ao menos, repetir o número. Em janeiro, o Índice de Commodities agropecuárias do Banco Central (IC-Br) subiu 1,9% e acumula uma alta de 5,9% nos últimos três meses. Continuar lendo

O Brasil, os EUA e o “Hemisfério Ocidental” (2)

Henry Kissinger encontra Augusto Pinochet: nos anos 1970, EUA substituíram proposta de intervenção militar, em caso de ameaça à sua hegemonia na América do Sul, por forma mais sutil de intervenção civil e militar “interna”

Para diplomacia norte-americana, manter supremacia sobre América do Sul continua sendo essencial. Por isso, prosseguirá tentativa de enfraquecer governos que Washington vê como “populistas”

Por José Luís Fiori

“A new form of nationalism may emerge, seeking national or regional
identity by confronting the United States. In its deepest sense,
the challenge 
of Western Hemisphere policy for the United States is
whether it can help bring about the world
envisioned by Free Trade Area of the Americas,
or whether the Western Hemisphere, for the first time in its history,
will break up into competing blocs;
whether democracy and free markets
will remain the dominant institutions
or whether there is a gradual relapse into populist authoritarianism.”

Henry. Kissinger “Does America Need a Foreign Policy?”

Henry Kissinger foi um formulador estratégico menos original do que Nicholas Spykman, mas em compensação ocupou inúmeras posições de governo e participou de algumas decisões internacionais que o transformaram numa das figuras mais importantes da política externa norte-americana, da segunda metade do século XX. Ele deixou a academia e se transformou em conselheiro governamental, no primeiro governo de Eisenhower, em 1953, e manteve presença nos governos republicanos até o final das administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, de quem foi Conselheiro de Segurança, e Secretario de Estado, respectivamente. Neste último período, Henry Kissinger teve papel decisivo na redefinição da estratégia internacional dos EUA, depois da crise econômica do início dos anos 70, e depois da derrota americana no Vietnã, em 1973. Foi quando ele concebeu ou participou de algumas decisões norte-americanas que deixaram marcas profundas na história da diplomacia internacional. Entre elas, a das negociações de paz, no Vietnã, que levaram à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e a das negociações secretas com Chou en Lai e Mão Tse Tung , em 1971 e 1972, que levaram à reaproximação dos Estados Unidos com a China, e a reconfiguração completa da geopolítica mundial antes e depois do fim da Guerra Fria. Continuar lendo

O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”

Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente no século XX. Em que medida proposição prevalece?

Por José Luis Fiori

As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos. 

E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente 
tenham que ser chamadas igualmente de América, 
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem

N. Spykman, “America´s Strategy in World Politics”

Tudo indica que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século. Continuar lendo

A reinvenção da América Latina

Se até agora sua inserção com o resto do mundo esteve condicionada pela presença das potências imperiais, com o novo século começou a trilhar outro caminho

Luis Hernández Navarro (*)

Em 1958, o historiador mexicano Edmundo O’Gormam publicou um livro intitulado La invención de América, com o qual sacudiu a historiografia dedicada a documentar e explicar o descobrimento e a conquista americana. Inventar, significa, de acordo com o dicionário da Real Academia da Língua, achar ou descobrir algo novo ou não conhecido.

Em seu texto, O´Gormam explica, de maneira nova para seu tempo, a forma em que o relato sobre a história e o devenir do “novo continente” foi construído. Hoje, retomando essa imagem, podemos dizer que América Latina está se reinventando. Continuar lendo

A ascensão de um gigante inseguro

A China está longe de ser um membro maduro da comunidade internacional

Quando a economia chinesa superar a dos Estados Unidos e se converter na maior do mundo (em algum momento daqui a alguns poucos anos), o país terá cimentado sua condição de grande potência militar (potência que em seu afã de afirmação estratégica desperta o temor de seus vizinhos). Mas o verdadeiro é que a ascensão da China é a ascensão de uma potência solitária e vulnerável, que enfrenta sérios obstáculos no plano interno.

A China se encontra neste momento rodeada de bases militares e aliados dos Estados Unidos. Embora os países asiáticos em sua maioria estejam interessados em manter e inclusive alargar seus laços econômicos com a China, nenhum (com exceção da Coreia do Norte, que depende da ajuda chinesa) está disposto a aceitar que ela seja a principal potência regional. De fato, a entrada na cena internacional de atores como Indonésia e Índia, aliados dos Estados Unidos, se deve em grande parte à ascensão da China. Continuar lendo

Diplomacia “made in Brazil”

Reconhecido, no passado, por posições pacifistas e avesso às polêmicas, casos recentes evidenciam um novo modo de atuação do governo brasileiro nas relações internacionais

Maurício Barroso

A diplomacia brasileira ganhou as manchetes da grande imprensa após o resgate, no dia 23 de agosto deste ano, do senador boliviano Roger Pinto Molina do confinamento de 455 dias na embaixada em La Paz, pelo diplomata brasileiro Eduardo Saboia. Segundo alguns analistas e também de acordo com alguns editorias de jornais, o caso demonstra uma mudança de atuação do Ministério das Relações Exteriores, também conhecido como Itamaraty. Anteriormente reconhecido por suas posições pacifistas e estritamente jurídicas, ultimamente, o órgão tem sido mais “agressivo” nas relações bilaterais.

O caso gerou atrito diplomático entre Brasil e Bolívia e culminou com a demissão do então ministro das Relações Exteriores, o chanceler Antônio Patriota, que comentou desconhecer a ação de resgate de Molina. Além da operação de retirada do senador boliviano, outros acontecimentos são apontados, por analistas políticos, como uma diplomacia de ocasião. Por exemplo, a expropriação da refinaria da Petrobras na Bolívia, quando não houve esforços por parte do governo brasileiro para impedir a ação; a retirada do Paraguai do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a não extradição do italiano Cesare Battisti, condena- do por homicídio naquele país. Continuar lendo

A importância geopolítica da Bolívia e a integração da América do Sul

Luciano Wexell Severo (*)

O objetivo deste artigo é realizar uma breve análise sobre a importância geopolítica da Bolívia no cenário da América do Sul, a partir da ótica de destacados pensadores de diferentes nacionalidades. Inicialmente será apresentada uma visão geral do conceito de Heartland, desenvolvido no início do século passado pelo geógrafo inglês Halford Mackinder. A seguir, serão apresentadas as contribuições de autores como o brasileiro Mario Travassos, o estadunidense Lewis Tambs e os bolivianos Jaime Mendoza, Alipio Valencia Vega, Alberto Ostria Gutierrez, Guillermo Francovich e Valentin Abecia Baldivieso, entre outros. Por fim, é sugerida uma releitura do papel da Bolívia no atual processo de integração regional, frente à recente diversificação das atividades econômicas, ao fortalecimento de novas cidades e à aplicação da iniciativa para a Integração de Infraestrutura Sul-Americana (IIRSA).

1. Heartland de Mackinder
Em 1904, o geógrafo inglês Halford Mackinder apresentou para a Real Sociedade Geográfica de Londres o seu artigo The Geographical Pivot of History. No reconhecido trabalho estava presente a sua teoria sobre a “área pivô”. Em 1919, reapresentou a elaboração com o nome de Heartland (Mello, 1999, p.45). Segundo a sua interpretação, o mundo estaria dividido em três zonas: o Grande Oceano (que abrange três quartos do planeta), a Ilha Mundial (Europa, Ásia e África) e as ilhas-continentes menores (Austrália e Américas). Continuar lendo

A América do Sul em busca da riqueza energética

Gasoduto boliviano: em 2006, país nacionalizou uma de suas riquezas naturais mais importantes

Como países da região reconquistaram, a partir da virada do século, petróleo, gás e eletricidade antes controlados por empresas estrangeiras

Por Igor Fuser


Este texto, cujo título original é “O nacionalismo de recursos no século 21”1, corresponde ao capítulo 10 do livro “Energia e Relações Internacionais” (Editora Saraiva, 2013), de Igor Fuser. O autor, que ofereceu o texto aos leitores de “Outras Palavras”, convida para debate sobre a obra, nesta quinta-feira, às 18h, no curso de Relações Internacionais da PUC de São Paulo, Sala 117-A Prédio Novo (Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – veja mapa).

O papel do Estado na gestão dos recursos energéticos

No período que se inicia em 2000, a tendência de alta dos preços da energia inverteu a prolongada depreciação dos recursos energéticos ao longo das décadas de 1980 e 1990. No mundo inteiro, fortaleceu-se a posição das empresas estatais de hidrocarbonetos em sua relação com as transnacionais. Conforme já foi relatado no Capítulo 5, atualmente 77% das reservas mundiais de petróleo se encontram sob o controle de estatais ou semiestatais. Essas empresas – conhecidas pelo acrônimo em inglês NOCs, de National Oil Companies – administram seus recursos energéticos a partir de interesses que nem sempre coincidem com as prioridades do mercado internacional e dos países mais desenvolvidos2. As NOCs, como agentes das políticas públicas traçadas pelos respectivos governos, geralmente buscam outros objetivos além de maximizar a extração e os lucros, tais como a redistribuição da renda nacional, a geração de receitas fiscais e a promoção do desenvolvimento. Estimulados pela alta dos preços, os governos em todos os países produtores de hidrocarbonetos têm procurado reforçar o controle sobre esses recursos, adotando medidas voltadas para ampliar a sua participação na renda petroleira, ou seja, nos excedentes gerados pelas exportações de petróleo e gás natural. Continuar lendo

Brasil: Geopolítica e Desenvolvimento

Por que esforço de afirmação internacional do país é titubeante? Que arranjos geopolíticos ele precisaria desafiar? Quais as resistências internas? 

Por José Luis Fiori


“A impotência dos economistas não é culpa da economia,
é culpa do ‘desenvolvimento’
que não cabe dentro dos limites estreitos da própria economia.”

J.L.Fiori, Poder, Geopolítica e Desenvolvimento, Editora Boitempo (no prelo)

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É hora de pensar diferente

A repressão militar consumiu dinheiro e gerou violência sem conter a expansão do poder do narcotráfico

A repressão militar consumiu dinheiro e gerou violência sem conter a expansão do poder do narcotráfico. Até os EUA parecem dispostos a abandonar a política da “guerra às drogas”

Na sempre atrasada América do Sul, cabe ao pequeno Uruguai do presidente José Mujica levar adiante um debate que avança mais depressa em outras regiões do planeta. Diante da falência da guerra às drogas – o planeta não reduziu o número de dependentes ou consumo de entorpecentes, ao contrário –, qual política seria capaz de amenizar os efeitos deletérios, entre eles a violência e a corrupção?

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