Por que andar de ônibus no Brasil não é politicamente correto?

Foto de atriz Lucélia Santos usando transporte público no Rio circula nas redes sociais e vira alvo de brincadeiras de mau gosto

A atriz Lucélia Santos, em ônibus no Rio.

No início desta semana, uma foto da atriz Lucélia Santos, de 56 anos, circulou pelos portais, sites de fofoca e as redes sociais no Brasil. Na segunda-feira, a atriz, que atualmente mora no Rio de Janeiro, tomou o ônibus 524 (Botafogo-Barra da Tijuca) para se locomover pela cidade onde mora. Um fã tirou uma foto e postou nas redes sociais “524 lotado. Me ofereço pra segurar a bolsa da moça. E quando olho, é a atriz Lucélia Santos”.

A foto da atriz – que ficou internacionalmente conhecida quando estreou na televisão, em 1976, no papel da escrava Isaura, na novela homônima que foi transmitida em 79 países – usando uma camisa branca e de pé no ônibus rapidamente circulou na internet. Poderia ser apenas uma nova fofoca, daquelas que abastecem diariamente os veículos que vivem do que fazem os famosos fora das telas. Mas não foi. Comentários do tipo “não está fácil pra ninguém” pipocaram acompanhados da imagem da atriz. Como se andar de ônibus fosse sinal de decadência. Mas no provincianismo brasileiro de cada dia, é assim que as pessoas enxergam o uso do transporte coletivo. Continuar lendo

O rolezinho da juventude nas ruas do consumo e do protesto

Os “rolezinhos” levaram para dentro do paraíso do consumo a afirmação daquilo que esse mesmo espaço lhes nega: sua identidade periférica. Se quando o jovem vai ao shopping namorar ou consumir com alguns amigos ele deve fingir algo que não é, com os rolezinhos ele afirma aquilo que é!

por Renato Souza de Almeida

Os jovens têm criado formas cada vez mais interessantes de manifestação. Desde as jornadas de junho de 2013 – que levou às ruas milhares de brasileiros – até os chamados “rolezinhos” – que também vêm colocando centenas em circulação – se instalou uma crise na análise daqueles que insistiam em afirmar uma possível apatia dessa geração juvenil.

“Sair de rolê…” significa dar uma circulada despretensiosa pela vila ou pela cidade. É possível dar um rolê de trem, de ônibus ou a pé. Geralmente, o rolê está ligado ao lazer ou a alguma prática cultural. Sai de rolê o pichador, o skatista, o caminhante… O que vem chamando a atenção de muita gente é como um simples gesto de sair e circular de forma livre tem ocupado um papel central nas principais mobilizações juvenis na cidade de São Paulo nos últimos tempos. Continuar lendo

Rio, cidade para pobres?

Os cariocas continuam sofrendo os efeitos do que claramente é uma bolha de preços insustentável no longo prazo

Banhistas tomam coco no calçadão da praia de Ipanema.

O Rio de Janeiro, impulsionado por anos de bonança econômica e por sua escolha como sede da próxima Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, se encontra imerso em uma espiral inflacionária que fez saltar todos os sinais de alerta. Embora há cerca de dois anos o Rio já ocupasse uma posição de liderança nas listas das cidades mais caras do planeta para estrangeiros, a progressiva desvalorização do real supôs uma balão de oxigênio para turistas e expatriados. No entanto, a população local continua sofrendo os efeitos do que claramente é uma bolha de preços insustentável no longo prazo. Continuar lendo

Sem Copa Verde

Vendida como a capital da floresta, Manaus acumula decepções com as obras, que já mataram três operários e não trazem retorno para os moradores; além disso, pode decepcionar os visitantes com as marcas da degradação urbana e da desigualdade social

Por Elaíze Farias

Palafitas do Igarapé de Educandos

A arena de futebol custou aos cofres públicos mais de R$ 600 milhões e ninguém sabe o que será dela depois; a reforma do porto consumiu R$ 71 milhões de recursos federais  (via DNIT) e teve o processo de licitação contestado – as obras foram há pouco retomadas mas ainda não se sabe o porto estará pronto antes da Copa. As obras do aeroporto internacional Eduardo Gomes soterraram um curso d’água e desmataram um área protegida da capital amazonense. Os centros de treinamento – dois – não têm data para abertura.

Quando Manaus foi escolhida para sediar quatro jogos da Copa, a decisão foi saudada pela imprensa local e por políticos e um clima de euforia reinou na cidade. Uma lista de projetos que fariam parte “do legado da Copa” entrou nas agendas de discussão dos gestores públicos e passou a pautar reportagens e debates: obras de mobilidade urbana, incremento da rede hoteleira, revitalização de áreas degradadas, melhorias no transporte público. Até mesmo um projeto de geração de energia solar, que seria instalado no entorno da Arena da Amazônia, foi previsto no pacote. Continuar lendo

Copa no Brasil deixará ônus, e não legado, diz relatora da ONU

Para a urbanista Raquel Rolnik, o legado urbanístico que a Copa do Mundo vai deixar para o País não será significativo

Relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada acredita que Copa não deixará legado significativo

Tidos pelo poder público como uma vitrine para o País e uma oportunidade de investimentos, os grandes eventos que serão realizados no Brasil acabaram servindo de estopim para uma série de reivindicações, que eclodiram nas agora conhecidas como jornadas de junho. Essas reivindicações seguem se desdobrando, causando dor de cabeça aos governantes e perplexidade aos estudiosos. No centro da questão, por sediar a final da Copa do Mundo e as Olimpíadas e fazer parte do imaginário estrangeiro do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro e os seus 6 milhões de habitantes servem de laboratório, e se veem entre as promessas de uma cidade melhor e a realidade caótica de má qualidade dos serviços públicos e obras aquém do anunciado.

Para a urbanista Raquel Rolnik, professora da Universidade de São Paulo e relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada, que acompanha de perto o processo desde 2009, a principal discussão que se coloca é o direito à cidade e a necessidade de se investir em uma cidade realmente para todos. “Não é comprar casa, comprar moto. Tem uma dimensão publica essencial que é a urbanidade e que precisa ser resolvida”, afirma. Continuar lendo

Tempo de deslocamento define o que é periferia ou centro

Um paulistano demora, em média, 43 minutos para ir de casa ao trabalho todos os dias. E a população mais pobre demora 20% mais tempo que os mais ricos para fazer a viagem, segundo o Ipea

Por Thiago Borges

Milhares de brasileiros saíram às ruas no ano passado durante as jornadas de junho. Causas diversas e muitas vezes superficiais, mas que surgiram após um movimento reivindicatório antigo, pela tarifa zero. Os protestos realizados pelo Movimento Passe Livre (MPL) e outros movimentos populares das periferias são contra as catracas do transporte e, mais que isso, contra as barreiras para se usufruir a cidade.

Mas, mais do que o espaço a ser ocupado na cidade, é o tempo que define quem está dentro ou fora da festa urbana. Continuar lendo

Um dia em Luanda, a cidade mais cara do mundo

Capital de Angola ultrapassou Tóquio como o local mais custoso do planeta para expatriados; aluguéis chegam a US$ 30 mil

Os US$ 3.000 (cerca de R$ 7.000) recebidos todo mês pelo espanhol José Aguilar por seu trabalho em uma empresa de petróleo americana em Luanda servem, a duras penas, para custear a vida na cidade considerada a mais cara do mundo.

Segundo o estudo sobre o custo de vida em mais de 200 cidades, publicado anualmente pela empresa de consultoria de RH Mercer, Luanda ultrapassou Tóquio em 2013 como a cidade mais proibitiva do mundo para expatriados.

Ao fundo, a região da Restinga, em Luanda

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Para superar a Sociedade do Lixo e Desperdício

Ricardo Abramovay alerta: Brasil continuará erguendo montanhas de detritos, enquanto políticas públicas não concretizarem princípio do poluidor-pagador

Entrevista a Antonio Martins | Imagem: Cláudio Dickson

Um júbilo talvez precipitado espalhou-se, há três anos, entre os que lutam para que o Brasil combata a cultura do lixo e do desperdício. Aprovou-se, após duas décadas de lutas, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Alcançaram-se conquistas importantes – a substituição dos “lixões” por aterros sanitários está em curso. Mas muitos esqueceram-se do principal. Aquela vitória era apenas o primeiro passo para a urgente (e já muito atrasada) adoção de políticas efetivas de reciclagem e reaproveitamento.

O economista Ricardo Abramovay acaba de lançar – com Juliana Simões Speranza e Cécile Petitgand – Lixo Zero1, um livro que cutuca feridas incômodas. A obra [disponível em formato eletrônico por apenas R$ 1,90] lembra que, em termos gerais, o país gera um volume imenso e desnecessário de detritos, que emporcalham as cidades e a natureza, e desperdiçam vasta riqueza, contida no que é tolamente descartado. Continuar lendo

Cidade dos extremos

Para historiador, os verdadeiros donos do espaço urbano são a elite e a favela: uma, pela economia; outra, pela ocupação

Juliana Sayuri – O Estado de S. Paulo

Retrato novo de mazelas antigas: dia 6 de novembro saiu o estudo Aglomerados Subnormais – Informações Territoriais, do IBGE, mostrando que 11.425.644 brasileiros vivem em construções alheias às regras do planejamento urbano. Além de aterros, mocambos, loteamentos irregulares e outros rincões improvisados e informais, há 6.329 favelas, onde se empoleiram 3.224.529 casas, principalmente no eixo Rio-SP. Nesse país favela, onde champanhe é “statis” para uns e outros, as cidades retratam o abismo social do Brasil.

Nireu Cavalcanti é arquiteto, urbanista e historiador e professor da UFF

Outras questões essencialmente urbanas voltaram à pauta paulistana nos últimos dias. Hussain Aref Saab, ex-diretor do Aprov que adquiriu 106 imóveis entre 2005 e 2012, tornou-se alvo de ação de improbidade administrativa. Ronilson Rodrigues, chefe da máfia do ISS, disse que o ex-prefeito Gilberto Kassab sabia do esquema que pode ter custado R$ 500 milhões aos cofres da cidade. Marcos Costa, presidente da Alstom, passou mal e escapou da CPI em que seria ouvido sobre a formação de cartel nos trilhos de Geraldo Alckmin. “As cidades brasileiras estão sendo administradas de uma forma profundamente desvirtuada do interesse público. Isso não é restrito a São Paulo. E não é ‘privilégio’ de um ou outro partido”, critica o urbanista Nireu Cavalcanti, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Continuar lendo