Política e ideologia na China contemporânea

Gruas e guindastes representam mais a China de hoje do que a foice e o martelo. São esses os grandes símbolos nacionais na atualidade.

Vinicius Wu

A política chinesa é um dos maiores enigmas do mundo contemporâneo. A vitalidade e a estabilidade do regime comunista, duas décadas após a falência de seus congêneres do Leste Europeu, seguem intrigando analistas e observadores de diferentes países e vertentes ideológicas. As questões levantadas a seguir pretendem refletir sobre a estrutura política que, afinal, dará suporte àquela que será, em breve, a maior economia do planeta.

Especular sobre o presente e o futuro da nação de 1,3 bilhões de seres humanos é algo tão tentador quanto necessário – ao menos para aqueles que se preocupam com a compreensão do mundo no qual vivemos. Mas, de antemão, é preciso reconhecer que se trata de um terreno arriscado, afinal, a desinformação a respeito da realidade chinesa segue contribuindo para a reprodução de uma série de estereótipos em torno de diagnósticos pouco precisos no Ocidente. Além disso, a experiência nos ensina que análises a respeito da estabilidade de um determinado regime político devem ser cautelosas e pacientes. A história costuma ser bastante irônica com avaliações marcadas por assertivas definitivas e certezas irrevogáveis. Continuar lendo

Marxismo e natureza humana

Para argumentar que capitalismo é inevitável, seus defensores associam ser humano a cobiça, rivalidade e ostentação. Marx desmontou tal crença

Por Valério Arcary, editor do Blog Convergência

Se se entende que toda transgressão contra a propriedade, sem entrar
em distinções, é um roubo, não será um roubo toda a propriedade privada?
Acaso minha propriedade privada não exclui a todo terceiro desta propriedade?
Não lesiono com isso, portanto, seu direito de propriedade? [1]

Karl Marx, Os debates na Dieta Renana sobre as leis castigando os roubos de lenha

O argumento que defende a justiça da propriedade privada foi sempre a pedra angular do liberalismo. Se o direito à propriedade privada fosse ameaçado, argumentaram os liberais, a liberdade seria destruída. Se a possibilidade de acumulação ilimitada de capital fosse reduzida, ou o direito de herança condicionado, as restrições à busca do enriquecimento teriam conseqüências catastróficas: o crescimento econômico seria sacrificado, a inovação tecnológica inibida e o espírito de iniciativa amputado. A sociedade estaria condenada ao atraso, à estagnação e até à preguiça.

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Alain Badiou: “O comunismo é a ideia da emancipação de toda humanidade”

O filósofo francês Alain Badiou é um homem que não teme riscos: nunca renunciou a defender um conceito que muitos acreditam ter sido queimado pela história: o comunismo. Nesta entrevista à Carta Maior, Badiou define o processo político atual como uma “guerra das democracias contra os pobres” e diz que “o amor está ameaçado pela sociedade contemporânea”.

Nesta entrevista à Carta Maior, Alain Badiou fala do amor e do resgate da palavra comunismo.

Nesta entrevista à Carta Maior, Alain Badiou fala do amor e do resgate da palavra comunismo.

Alain Badiou não tem fronteiras. Este filósofo original é o pensador francês mais conhecido fora de seu país e autor de uma obra extensa e sem concessões. Filosofia, matemática, política, literatura e até o amor circulam em seu catálogo de produções e reflexões. Sua obra, de caráter multidisciplinar, traz uma crítica férrea ao que Alain Badiou chama de “materialismo democrático”, ou seja, um sistema humano onde tudo tem um valor mercantil.

Este filósofo insubmisso é também um homem de riscos: nunca renunciou a defender um conceito que muitos acreditam ter sido queimado pela história: o comunismo. Em sua pena, Badiou fala mais da “ideia comunista” ou da “hipótese comunista” do que do sistema comunista em si. Segundo o filósofo francês, tudo o que estava na ideia comunista, sua visão igualitária do ser humano e da sociedade, merece ser resgatado.

Defensor incondicional de Marx e da ideia de uma internacionalização positiva da revolta, o horizonte de sua filosofia é polifónico: os seus componentes não são a exposição de um sistema fechado, mas sim um sistema metafísico exigente que inclui as teorias matemáticas modernas – Gödel – e quatro dimensões da existência: o amor, a arte, a política e a ciência. Pensador crítico da modernidade numérica, Badiou definiu os processos políticos atuais como uma “guerra das democracias contra os pobres”.

O filósofo francês é um teórico dos processos de ruptura e não um mero panfletário. Ele convoca com método a repensar o mundo, a redefinir o papel do Estado, traça os limites da “perfeição democrática”, reinterpreta a ideia de República, reatualiza as formas possíveis e não aceites de oposição e coloca no centro da evolução social a relegitimação das lutas sociais.

Alain Badiou propõe um princípio de ação sem o qual, sugere, nenhuma vida tem sentido: a ideia. Sem ela toda existência é vazia. Com mais de 70 anos, Badiou introduziu em sua reflexão o tema do amor em um livro brilhante e comovente, no qual o autor de “O ser e o acontecimento” define o amor como uma categoria da verdade e o sentimento amoroso como o pacto mais elevado que os indivíduos podem firmar para viver. A sua lucidez analítica o conduz inclusive a dizer que o amor, porque grátis e total, está ameaçado pelo mundo contemporâneo. Continuar lendo