Não se fez tábula rasa

As marcas do regime militar 
ainda atrasam o desenvolvimento 
da escola no Brasil

Por Cinthia Rodrigues

Alunas no desfile de 7 de Setembro em Araranguá (SC), em 1975

Formação de professores em escala, fortalecimento da educação privada, segmentação de currículos e até mesmo a arquitetura prisional dos prédios. Tais práticas e características da educação brasileira às quais nos habituamos dizem muito sobre o regime militar imposto durante mais de duas décadas ao País e a seus cidadãos. Outros resquícios do cinquentenário golpe são mais escusos, porém não menos nocivos. A dificuldade que as escolas encontram em lidar com a aprendizagem de forma democrática, a intolerância à diversidade e a falta de referências mais experientes seriam também decorrência da formação repressiva. “O controle político e ideológico permanece nas mentes e nos corpos”, resume Aparecida Neri de Souza, professora da Faculdade de Educação da Unicamp com pós-doutorado em Sociologia do Trabalho Docente.

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Golpe de 64: ‘Marcha da Família com Deus pela Liberdade’ completa 50 anos; saiba quem a financiou e dirigiu

Tidas como protagonistas do movimento que depôs João Goulart, organizações femininas lideradas por mulheres de classe média eram, na verdade, financiadas e instruídas pelos homens da elite empresarial-militar que queriam derrubar Jango

Felipe Amorim e Rodolfo Machado

Há 50 anos, em 19 de março de 1964, era realizada na cidade de São Paulo a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Estima-se que entre 500 mil e 800 mil pessoas partiram às 16h da Praça da República em direção à Praça da Sé, no centro, manifestando-se em resposta ao emblemático comício de João Goulart, seis dias antes, defendendo suas Reformas de Base na Central do Brasil. Passaram à história como as genuínas idealizadoras e promotoras da marcha organizações femininas e mulheres da classe média paulistana. No entanto, por trás deste aparente protagonismo feminino às vésperas do golpe que deu lugar a 21 anos de regime ditatorial, esconde-se um poderoso aparato financeiro e logístico conduzido por civis e militares que tramavam contra Jango. Um detalhe: quase todos eram homens.

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Há 30 anos, em São Paulo, o 1º grande comício das Diretas Já

No dia em que a cidade completou 430 anos, 200.000 pessoas se reuniram na Praça da Sé exigindo eleições para presidente

Comício das Diretas Já, na Praça da Sé

Há 30 anos, o aniversário da cidade de São Paulo era marcado por um dos comícios mais importantes do movimento pelas Diretas Já, que exigia a retomada do voto popular para presidente da República. No local onde foi fundada a capital paulista, a Praça da Sé, cerca de 200.000 pessoas gritavam: “Um, dois, três, quatro, cinco, mil. Queremos eleger o presidente do Brasil!”

A manifestação de 25 de janeiro de 1984 marcava a intensificação da campanha das Diretas Já. Depois de vinte anos amordaçados, os cidadãos brasileiros saíram às ruas para pedir a volta da democracia ao país. O regime militar estava com seus dias contados. Entre janeiro e abril de 1984, dezenas de comícios foram organizados nas principais cidades brasileiras. O maior deles teve São Paulo como palco. Cerca de 1,5 milhão de pessoas foram ao Vale do Anhangabaú, no centro da cidade. Continuar lendo

Os 30 anos do MST e a luta pela reforma agrária hoje

ESCRITO POR GUILHERME C. DELGADO

Nesta semana de 10 a 15 de fevereiro o MST celebra os seus 30 anos de fundação, por ocasião do VI Congresso que realiza em Brasília. O momento é propício para uma reflexão em perspectiva sobre dois temas conexos – questão agrária e reforma agrária, ambos relacionados à estrutura de propriedade, posse e uso da terra.

O próprio surgimento do MST no final do regime militar (1984) e primórdios da construção do Estado democrático (1988) é sinal do retorno da Questão Agrária, declarada ainda no início do ano 60 do século passado, sistematicamente negada pela ditadura militar mediante apelo explícito às armas, por um lado, e ao projeto econômico de “modernização conservadora” da agricultura, por outro. Continuar lendo

Não penso, logo relincho

Um glossário com a lista dos principais clichês repetidos pelas redes sociais para justificar, no discurso, um mundo de violência e exclusão. Por Matheus Pichonelli

Dizem que uma mentira repetida à exaustão se transforma em verdade. Pura mentira. Uma mentira repetida à exaustão é só uma mentira, que descamba para o clichê, que descamba para o discurso. E o discurso, quando mal calibrado, é o terreno para legitimar ofensas, preconceitos, perseguições e exclusões ao longo da História. Nem sempre é resultado da má-fé. Por estranho que pareça, é na maioria das vezes fruto da indigência mental – uma indigência mental que assola as escolas, a imprensa, as tribunas, as mesas de bares, as redes sociais. Com os anos, a liberdade dos leitores para se manifestar sobre qualquer assunto e o exercício de moderação de comentários nos levam a reconhecer um clichê pelo cheiro. Listamos alguns deles abaixo com um apelo humanitário: ao replicar, você não está sendo original; está apenas repetindo uma fórmula pronta sem precisar pensar sobre tema algum. E um clichê repetido à exaustão, vale lembrar, não é debate. É apenas relincho*. Continuar lendo

Primavera não, pleno inverno

Do golpe de Estado que derrubou Morsi brota o inevitável, o contrário da democracia. Por Gianni Carta

638 civis e 49 policiais mortos: são os números da tragédia que ensanguentou as praças do Cairo

Nos sangrentos choques que abalaram o Egito na quarta-feira 14, segundo números oficiais 638 civis e 49 policiais morreram. Somente na mesquita incendiada Rabaa Al-Adawiya jazem 250 corpos à espera do enterro. À beira de uma guerra civil, o Egito tornou-se o primeiro país da chamada Primavera Árabe a produzir o oposto da almejada democracia: uma ditadura militar. Continuar lendo

Francisco I e a repressão: algo a esconder?

BY AMY GOODMAN – 17/03/2013

POSTED IN: CAPASOCIEDADE

Jornalista argentino que investigou relações entre ditadura e Igreja revela papel real de Bergoglio. Também prevê: Papa será um “conservador-populista”

Entrevista a Amy Goodman e Juan González, em Democracy Now | Tradução: Gabriela Leite

No início desta semana, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi eleito por seus pares como novo Papa da Igreja Católica. Assumiu o posto sob o título de Francisco. Imediatamente, vieram à tona os laços de cumplicidade mantidos entre a cúpula eclesiástica argentina e a ditadura militar, no poder entre 1976 e 83. Qual teria sido o papel de Bergoglio nestas relações perigosas?

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Hidrelétricas na Amazônia: desenvolvimento para quem?

Artigo de Nelson Sanjad
Conheci a cidade de Tucuruí em 1988, quatro anos depois de inaugurada a hidrelétrica que interrompeu o fluxo natural do rio Tocantins. Era, então, um espaço populoso, deteriorado e caótico, impressão que se amplificou ao visitar o núcleo urbano da construtora Camargo Correa, protegido por muros, guaritas e homens armados, com casas amplas e ajardinadas, com um confortável hotel para os hóspedes ilustres e com uma bela vista do vertedouro e do lago formado pela barragem. No tour pela usina, um funcionário da Eletronorte orgulhosamente apontou para uma ilhota, informando que a empresa instalara ali um banco genético das espécies vegetais que ocorrem (ocorriam?) na região, sem nada esclarecer sobre as copas de árvores mortas que emergiam por todo o imenso lago, visão que lembra, de imediato, em qualquer espectador, um cemitério repleto de cadáveres mal enterrados. Inquirido por que as árvores não foram retiradas, o funcionário tergiversou (alguém ainda lembra do escândalo Capemi?).

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