Pensar uma geografia histórica para o Brasil requer que nos voltemos para as questões nacionais, de modo a inquiri-las tanto no passado quanto no presente
Diogo da Silva Roiz*
A densidade geográfica de nossa formação e de nossa atualidade impõe um forte conteúdo de particularidades nacionais a serem levantadas e interpretadas pelos geógrafos, cuja explicação adequada aparece como condição para se propor um projeto viável de nação para o Brasil. Explicitar posicionamentos metodológicos, adestrar o instrumental analítico com que se opera, bem como clarificar conceitos e teorias utilizadas são fundamentos prévios ao propósito de gerar uma geografia que oriente a instalação da modernidade que queremos para o País. Para tanto, temos que abandonar o ideal de buscar de imediato uma utopia celeste (o céu na Terra) e superar a desesperança do inferno presente. É o que anima o caminho na trilha do purgatório… (Moraes, 2009, p. 150).
Com o impacto dos processos de conexão das economias nacionais – chamados convencionalmente de “globalização” por terem difusão simultânea, entre diferentes lugares, em função da revolução dos meios e técnicas de comunicação em massa na segunda metade do século 20 -, os estudos geográficos acabaram por se centralizar ora no “global”, ora no “local”. Para Antônio Carlos Robert Moraes, a consequência disso para a pesquisa e para o conhecimento geográfico é que a questão “nacional” ficou em segundo plano. Uma vez que se dá atenção aos “processos globais”, ou às suas “consequências locais”, outras escalas de análise, como o “espaço nacional”, são deixadas de lado, ou são, no mínimo, pouco estudadas. Pensar uma geografia histórica para o Brasil requer, portanto, que nos voltemos para as questões nacionais, de modo a inquiri-las tanto no passado quanto no presente.
Nessa perspectiva, o subtítulo do livro de Moraes: Geografia histórica do Brasil: cinco ensaios, uma proposta e uma crítica é mais significativo do que o próprio título, porque demarca sua proposta, desenvolvida ao longo de cinco ensaios (para se pesquisar a questão nacional no País), concluindo com a exposição de uma crítica, até certo ponto severa, à centralização dos estudos geográficos no global ou no local, sem dar a atenção devida a outras escalas de análise. Para o autor, tal opção constitui uma despolitização do trabalho, da função e da pesquisa do geógrafo, ao mesmo tempo em que impõe uma miscelânea de opções teóricas e metodológicas, se- lecionadas mais em função de modas e ondas, do que pela sua maior ou menor operacionalidade na análise de determinados temas, fontes e objetos.
De início, parte da constatação de que discutir “a história da geografia no Brasil, nos marcos metodológicos dos estudos pós-coloniais, revela-se um exercício bastante interessante, em virtude da particularidade da formação do País e da construção da ideia de nacionalidade nesse processo” (p. 11). Ao fazer essa escolha, ele deixa de lado os pressupostos dos estudos dos séculos 19 e 20, nos quais historiar a formação da nação, de seu território e de seu Estado dependia de uma inevitável homogeneização do espaço, de sua cultura, de seus grupos étnicos, de sua língua, história e tradições.
Por essa razão, Moraes considera Edward Said “um autor fundamental para guiar tal equacionamento”, visto que ele estabelece “uma relação direta entre as ciências ocidentais e a administração colonial”. Afinal, foi “o contato hierarquizado com sociedades bastante diversas, dotadas de características díspares, que permitiu ao pensamento europeu elaborar teorias gerais da história e desenvolver abordagens totalizantes acerca da vida social, cunhando conceitos, que por meio de um aparato planetário de socialização e ensino, tornaram-se de fato universais” (p.15). Desse modo, durante muito tempo, deu-se atenção aos processos de formação do Estado-Nação, tendo em vista apenas o papel desempenhado pelos colonizadores (europeus), não sendo averiguada a contribuição dos colonizados (povos nativos). Tendo por base a obra de Said, Moraes vê justamente nesta tensão entre colonizadores e colonizados, entre metrópoles e colônias, o início da formação de um novo território, de uma nova nação e de um novo espaço de sociabilidade que formariam, a partir do século 19, os novos Esta- dos Nacionais da América Latina.
GLOBALIZAÇÃO
Muitos historiadores afirmam que o processo de globalização teve início nos séculos 15 e 16, com as Grandes Navegações, momento no qual o europeu entrou em contato com povos de outros continentes, estabelecendo relações comerciais e culturais. Atualmente, é um processo econômico e social que estabelece uma integração entre os países e as pessoas do mundo todo.
ANTÔNIO CARLOS ROBERT MORAES
Antonio Carlos Robert Moraes é um geógrafo brasileiro que publicou vários livros na área da Geografia Histórica e Política. Possui doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo e é professor titular da mesma instituição. É também presidente da banca de Geografia do concurso de ingresso na carreira de diplomata do Instituto Rio Branco – Ministério das Relações Exteriores.
EDWARD SAID
Nasceu em 1935, em Jerusalém. Filho de árabes cristãos, foi educado no Cairo e, mais tarde, em Nova York, onde lecionou Literatura na Universidade de Columbia. Um dos mais importantes críticos literários e culturais radicado nos Estados Unidos, Said escreveu dezenas de artigos e livros sobre a questão palestina. Morreu em 2003.
Fonte: Companhia das Letras
RIO DE JANEIRO
O Rio de Janeiro tornou- se capital da colônia portuguesa em 1763. Em 1808, com a vinda da corte portuguesa ao Brasil, o Rio passou a ser a capital de um império que incluía Angola e Moçambique, na África; Goa, na Índia; Timor, no Sudeste Asiático; e Macau, na China. Somente em 1960, com a construção e fundação de Brasília (Distrito Federal), a Cidade Maravilhosa deixou de ser a capital. Da época do Império, restaram grandes obras, como palácios, igrejas, museus, bibliotecas, fortalezas, aquedutos etc.
PORTUGUESES NO BRASIL
Seguindo esse itinerário de pesquisa, é possível, para o autor, destrinchar melhor a geopolítica da instalação dos portugueses no Brasil, pormenorizando as diferentes for- mas de tomada do espaço, de organização do território habitado e de disputas e negociações entre os colonizadores e os povos nativos. “Isso porque a colonização é – em essência – um processo de expansão territorial, constituindo uma modalidade particular de relação sociedade-espaço, marcada pela conquista, domínio e exploração de novas terras” (p. 59). Cabe assinalar, porém: “[…] que é a subordinação a um domínio político externo e a inserção subordinada nos circuitos imperiais que qualificam tais espaços como ‘coloniais’. As regiões coloniais são, antes de tudo, partes de um império. Mas são também partes de territórios coloniais diferenciados (p. 63). […]” Nesse sentido, a Geografia joga um importante papel na interpretação da particularidade histórica dos países latino-americanos (p. 59).
Essa particularidade é adensada, ao se averiguar os processos de independência destes diferentes espaços, até virem a ser tornar Estados Nacionais. Nessa perspectiva, o autor entende a “Geografia Histórica como caminho de re- constituição [em várias escalas] do processo de formação dos atuais territórios, postura que – inapelavelmente – repõe uma ótica de história nacional [mesmo no âmbito de uma perspectiva crítica]” (p. 61). Por esse motivo, seja dando destaque à organização da territorialidade estatal, seja demonstrando a importância do sertão e de suas peculiaridades, seja ainda primando pela análise da formação dos diferentes espaços habitados (e não habitados) no País, a Geografia Histórica tem um importante papel a cumprir, ao pesquisar e expor esses diferentes roteiros. Para Moraes, no tocante à produção simbólica do espaço, as décadas de 1930 e 1940 conheceram uma grande revi- são teórica do pensamento sobre o País, tendo sido publicadas nesse período as principais obras que iriam marcar as interpretações do País até a atualidade. Cabe salientar, também no universo cultural, a fundação das primeiras instituições universitárias brasileiras no ano de 1934, com a instalação de cursos de Geografia [e História] nas Universidades de São Paulo e do Distrito Federal (Rio de Janeiro), os quais tinham no reconhecimento empírico do País e de sua dinâmica territorial o objetivo maior de pesquisa do campo disciplinar (p. 127).
DESPOLITIZAÇÃO NAS PESQUISAS
Essa modalidade de investigação se desenvolveria nas décadas seguintes, com o aumento do número de profissionais, pesquisas e instituições. Desse modo, a inversão de propósitos, no campo dos estudos geográficos, ao priorizarem o global e o local, a partir dos anos 1990, não deixa de ser também um processo de despolitização nas pesquisas e do pesquisador, ao se desconsiderar a importância da questão nacional.
“Pensar uma geografia histórica para o Brasil requer, portanto, que nos voltemos para as questões nacionais, de modo a inquirilas tanto no passado quanto no presente.”
Assim, dando continuidade aos seus livros: Bases da formação territorial no Brasil (2000) e Território e história no Brasil (2002), o autor demonstra a importância da questão nacional, num momento em que se avolumam os estudos sobre o espaço global e as dimensões do local, repondo na agenda de pesquisas a necessidade de se entender outras escalas de análise. A esse problema estariam ligadas as escolhas teóricas e metodológicas, as predisposições políticas e a ação social do pesquisador. Embora as dimensões dos espaços nacionais tenham sido suplantadas pelos processos de globalização, que homogeneizariam territórios, economias e culturas, não estaria apenas no estudo dos espaços locais a demonstração de uma rede de tensões e de contradições no interior desse processo. E essa rede demarcaria as singularidades territoriais, econômicas e culturais, porque é justamente ao dar atenção a todas as escalas de análise que elas aflorariam de forma mais nítida.
FONTE: Geografia Histórica do Brasil: cinco ensaios, uma proposta e uma crítica, de Antônio Carlos Robert Moraes. São Paulo: Annablume, 2009.
NOTA: Artigo publicado originalmente em Revista Estudos Históricos – FGV, Rio de Janeiro, vol. 23, no 46, p. 385-388, julho-dezembro de 2010.
*DIOGO DA SILVA ROIZ é professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, campus de Amambaí, e doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná.
Fonte: http://conhecimentopratico.uol.com.br/geografia/mapas-demografia/51/artigo298497-1.asp