Livres para pensar

*Raquel Munayer

Joãozinho gosta de desenhar, Pedrinho é bom em Matemática e Clarinha arrebenta no Português. Porém, todos eles, independente de suas capacidades e interesses, terão de ter um aproveitamento mínimo de 60% na prova de Biologia. O sistema parece injusto e atire a primeira pedra quem nunca se perguntou “Para que estou aprendendo isso?”

Chegamos à escola como um pedaço de pano, e os professores trazem suas linhas e agulhas para bordarem em nós as experiências e o conhecimento que nos transformarão em quem seremos no futuro. A questão é: até que ponto podemos opinar no que será bordado? É sabido que os professores necessitam da colaboração dos alunos para que o processo de aprendizagem seja completo e bem-sucedido, já que é difícil fazer um bordado bonito em um pano que insiste em lhe escapar das mãos. Porém, que tipo de conhecimento é esse que o sistema educacional nos oferece?

A escolha do conteúdo que compõe uma educação completa e de qualidade pouco se difere em diferentes culturas. Apesar das aparentes divergências, em sua essência, as matérias são escolhidas de modo a estimularem diferentes partes do cérebro, tornando-nos aptos a conviver em sociedade e solucionar pequenos problemas em todas as áreas de conhecimento. Além do mais, conhecer a estrutura básica de cada área nos ajuda a reconhecermos as nossas próprias habilidades e aspirações, facilitando assim a nossa escolha profissional. Porém, até que ponto deve se ensinar as mesmas coisas e exigir os mesmos resultados de pessoas diferentes? Quais são os objetivos desta padronização, bem como as suas consequências?

Para quem teve problemas na escola, como eu, esta é uma questão fundamental e complexa, já que criar um sistema educacional para cada tipo de pessoa parece um sonho distante. Porém, posso afirmar sem nenhuma restrição que a escola foi, em muitos aspectos, um limite intelectual em minha vida, principalmente nos chamados trabalhos em grupo. No meu caso, a melhor maneira de se absorver algum assunto é através de estímulos visuais. Até hoje eu tenho o hábito de assistir a documentários, já que tenho grande interesse em ampliar o meu conhecimento, mas costumo perder-me durante a leitura de um texto científico, tornando a compreensão final muito complicada. Enquanto a professora explicava, eu era frequentemente a única que prestava atenção enquanto outros conversavam, desenhavam ou dormiam. Porém, eu não gostava de fazer os exercícios e sofria muita repreensão, chegando a ser considerada uma aluna-problema, fazer visitas frequentes à Diretoria, receber algumas suspensões e repetir de ano duas vezes.

Durante este período eu vivi uma grande confusão interna, pois era tratada como uma pessoa de baixo intelecto. A minha pobre mãe, a qual eu adoro citar aqui no blog, sofreu muito durante o meu período escolar. Eu simplesmente não me adaptava ao sistema e ela, apesar de ser professora, não podia fazer muito para me ajudar. O que mais me intrigava era que a minha mãe, que apesar de amável sempre foi muito severa, não ficava brava de verdade comigo. Ela ficava irritada com tantas advertências e com as frequentes vezes em que era chamada à escola, e ficava triste por mim, por saber que vivia em um ambiente hostil. Mas no fundo, eu notava que ela sabia que eu estava indo bem, apenas sob uma outra perspectiva.

Já adulta, posso hoje olhar para trás e compreender a minha vida escolar sob um parâmetro mais analítico e realista. Eu nunca fui um aluna muito boa ou muito ruim, apenas entendia as coisas e me expressava de maneira diferente. Em matérias pelas quais me interesso, como História, Geografia, Inglês ou Português, eu apenas prestava atenção às aulas e tirava boas notas. Já em Biologia, Artes e Esportes, eu era, digamos, medíocre. As minhas notas eram medianas, mas suficientes para passar de ano. A coisa fica feia quando chegamos às Exatas. A Matemática (e aqui incluo a Física e a Química, já que destas matérias aprendemos basicamente a calcular) foi selecionada, cortada, compactada e enlatada para tornar-se “mais fácil” para os alunos, já que o universo matemático vai muito além das fórmulas que aprendemos na escola. Até hoje, eu não faço idéia do que são essas fórmulas, nunca fiz uma e não sei do que se trata. Eu consigo muitas vezes alcançar resultados corretos, mas não consigo passar o processo do cálculo para o papel. Professores não tinham paciência comigo e me tratavam como uma pessoa desinteressada e sem futuro, ao invés de estimular a minha capacidade.

O que se espera do aluno? Que ele siga instruções à risca e se adapte aos padrões impostos ou apenas que ele aprenda, seja qual for o meio que ele utiliza para isso? Maria Montessori foi uma educadora italiana que criou o método Montessori de ensino, método este que respeita o desenvolvimento psicológico natural de cada criança, sendo comum a mistura de crianças de diferentes idades em uma mesma classe, bem como maior liberdade de escolhas. O método Montessori, assim como o método utilizado nas escolas Waldorf e mais alguns outros exemplos similares, vem para mostrar que o padrão do método de ensino pode ser quebrado, sem prejudicar o processo de aprendizagem dos alunos. Porém, não apenas a educação básica é vítima desta padronização.

Quando cheguei à Alemanha e descobri que, apesar de ter curso superior, o meu diploma não me habilitava a entrar direto na faculdade, nem mesmo para começar um curso do começo, fiquei extremamente decepcionada. Fui direcionada para oStudienkolleg, um curso preparatório para universidade (para o qual tive de passar com alta pontuação em uma prova de alemão) e que tem duração de um ano. É inevitável sentir-se discriminada, como uma reles imigrante do terceiro mundo que é burra demais para atender a uma universidade alemã. Todavia, logo no primeiro dia, aprendemos que os alunos estrangeiros que fazem o preparatório possuem chances mais altas de terminarem o curso, além de terem notas melhores do que os outros que não o fizeram. Por quê? Por que fazer faculdade na Alemanha não é bolinho. Aqui, os professores existem apenas para lhe passarem a matéria, organizarem seminários, corrigirem provas e trabalhos e para ficarem à disposição para dúvidas. Todo o seu rendimento dependerá do seu próprio esforço, e não dá para fazer trabalho em grupo para recuperar nota. Você, como aluno, tem a obrigação de ir bem em todas atividades, pois se for mal, não poderá prosseguir para o próximo semestre. E se tiver apenas notas médias, se formará com uma nota média, o que lhe impedirá de fazer um mestrado ou até de arrumar bons empregos, já que a sua nota final da faculdade deverá constar em seu currículo. Em época de prova, você não irá encontrar ninguém no bar, pois todos estarão na biblioteca. Nem mesmo em casa eles estudam, pois sabem que as distrações são muitas. Isso porque o modelo presencial, aonde os alunos devem ir todos os dias à Universidade para assistirem às aulas, palestras e seminários, só foi implementado na Alemanha para que o país pudesse fazer parte do Processo de Bologna, um acordo que impõe um padrão de estudos às Universidades européias para que todos os diplomas tenham o mesmo nível e sejam aceitos entre si. Antes do Processo de Bologna, as universidades alemãs exigiam presença apenas em alguns seminários e nas provas, sendo restante do conteúdo estudado em casa e nas bibliotecas das universidades de maneira independente.

O caso do modelo Montessori para educação básica e do sistema de auto-disciplina aplicado às universidades alemãs são apenas alguns exemplos que demonstram o sucesso da liberdade e da aplicação do conceito da responsabilidade no que tange a questão da Educação. Quando olho para trás e revejo os meus tempos de escola e universidade, vejo um sistema burro e repetitivo, onde todos os que estavam na minha turma, tanto os dedicados quanto os que tinham dificuldade e os alunos-turistas, receberam o mesmo diploma. A razão para isso é que fomos todos padronizados através de atividades simples e superficiais, estando constantemente sob a supervisão dos professores, não sendo estimulados a questionar, solucionar, pensar por nós mesmos.

Se você é um dos que acreditam que a supervisão é necessária para que haja bom rendimento, reavalie os seus conceitos, pois as estatísticas mostram exatamente o contrário. Isso vale para os que querem começar em uma nova profissão, para aqueles que querem se especializar, para os que têm filhos com dificuldades na escola, ou mesmo para aqueles que querem simplesmente estudar em casa, por prazer. As instituições de ensino podem lhe direcionar, solucionar dúvidas e lhe manter atualizado, mas não pense que elas podem lhe transformar em um bom profissional. Isso só você pode fazer.

*Autor (a): Raquel Munayer, 26 anos, nascida em São Paulo, vive atualmente na Alemanha. Uniu a paixão pela escrita com a crítica social, resultando na produção de textos ácidos e repletos de humor negro, dos quais o leitor não sairá ileso. Leia mais, se tiver coragem: www.interrompemosaprogramacao.wordpress.com

Fonte: http://interrompemosaprogramacao.wordpress.com/2012/03/07/livres-para-pensar/

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