ESPECIAL CONFLITOS NO ORIENTE MÉDIO – 1ª PARTE – 4 matérias sobre a Revolução Iraniana de 1979

Do Xá ao Aíatolá: os 30 anos da Revolução Iraniana

A República Islâmica do Irã apresenta uma trajetória complexa, na qual a Revolução Iraniana, de fevereiro de 1979, surge como ponto de inflexão. Modernidade e tradição, ocidentalização e religião, foram alguns dos elementos contraditórios que levaram à insurgência

POR CRISTINA SOREANU PECEQUILO

Dona da terceira maior reserva de petróleo do mundo, a República Islâmica do Irã é hoje a quinta maior exportadora mundial: são mais de 2,5 milhões de barris por dia. Mas apesar desse recurso valiosíssimo, o Irã permanece como um país subdesenvolvido. Assim como outras nações ricas em petróleo, o bem que gera fortuna também produz vulnerabilidade e funciona como elemento de dependência e cisão.

A descoberta de petróleo na região, em 1903, motivou a exploração britânica no território iraniano. A dominação estrangeira somada à posição estratégica do Irã no Oriente Médio, a pobreza da população e os dogmas do Islamismo resultaram na revolução de 1979, que transformou o país em uma república teocrática islâmica. Por isso, para entender como se deu a insurreição, é preciso entender o contexto histórico e político do Irã desde os primeiros anos do século XX.

A EXPLORAÇÃO ESTRANGEIRA E A DINASTIA PAHLAVI

A partir de 1903, o Irã passou a ter com a Grã- Bretanha uma relação semicolonial. A potência européia controlava a exploração do petróleo por meio da Companhia de Petróleo Anglo-Persa (APOC). Em 1907, a Pérsia (como era chamada a região onde atualmente fica o Irã) foi dividida em zonas de influência entre a Grã-Bretanha e a Rússia. Mas os russos perderam o controle da área devido à Revolução Socialista de 1917 – posteriormente, já como União Soviética, o domínio reforçou-se no Cáucaso e Ásia Central. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi a vez de os EUA projetarem sua influência política e econômica sobre o Irã.

Encaradas como fonte de subordinação, falta de autonomia e corrupção, as relações entre o Irã e o ocidente foram ampliadas pela dinastia Pahlavi (1925-1979), que foi instaurada por meio de um golpe militar pelo general Reza Khan (1878-1944), em 1925. Nesse período, os governantes eram chamados de Xá, título que corresponde ao posto de rei ou imperador.

A dinastia Pahlavi caracterizou-se por diversos fatores, como a relação próxima com o ocidente, o difícil intercâmbio com os árabes devido à identidade persa e islâmica, o projeto de criação da potência regional e a falta de democracia e agenda social, o que gerou uma sequência de crises. Os Pahlavi inseriram a ocidentalização e secularização, que contrariava o clero muçulmano tradicionalista, como as graves confrontações que ocorreram devido ao banimento do uso do véu para as mulheres.

para as mulheres. A situação política do Irã agravou-se com a Segunda Guerra, quando o exército alemão tentou avançar pela região, o que levou à ocupação britânica e soviética no Irã, para defender os campos petrolíferos. Nesse período, a oposição a Reza Pahlavi cresceu. Em 1941, o Xá renunciou em benefício de seu filho Mohammad Reza Pahlavi (1919-1980). Com Mohammad, que governou até 1979, instaurou-se uma monarquia constitucional, dividindo o poder com o Parlamento (Majilis).

AS DISPUTAS PELO PETRÓLEO NA ÉPOCA DA GUERRA FRIA

Depois de um breve período de estabilidade, em 1946 o Irã foi palco de uma das primeiras disputas da Guerra Fria, quando a União Soviética manteve suas tropas em território iraniano e apoiou o socialista Partido Tudeh, criado em 1941.

Ao lado do clero, o Tudeh foi uma força de oposição ao Xá e desempenhou papel significativo: enquanto os mulás (líderes religiosos das mesquitas islâmicas) detinham o apoio das massas rurais e defendiam a agenda conservadora, o Tudeh era urbano e moderno. No entanto, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos rechaçaram os soviéticos, mantendo seu controle. Mas isso não significou o cessar das tensões internas iranianas, o que resultou na nomeação de Mohammad Mossadegh (1880-1967) como primeiro- ministro, em 1951. Mossadegh tinha idéias nacionalistas queria o controle do Irã sobre suas reservas petrolíferas.

O Xá Reza Pahlavi tentou ocidentalizar o Irã e tomou medidas polêmicas, como o banimento do uso do véu para mulheres, o que provocou fortes reações dos líderes religiosos muçulmanos

O Xá Reza Pahlavi tentou ocidentalizar o Irã e tomou medidas polêmicas, como o banimento do uso do véu para mulheres, o que provocou fortes reações dos líderes religiosos muçulmanos

Até 1953, Mossadegh, que fora presidente do Comitê do Petróleo no Parlamento, governou como primeiro-ministro. Atuando contra a exploração injusta do petróleo, ele promoveu a nacionalização do combustível e criou a Companhia Nacional Iraniana de Petróleo (NIOC). As potências anglo-saxãs não aceitaram perder seus benefícios e impuseram um embargo. Temendo a ascensão de um governo comunista e para retomar o fornecimento de petróleo, EUA e Grã- Bretanha derrubaram Mossadegh com a Operação Ajax compartilhada entre os serviços secretos CIA (agência norte-americana) e MI6 (agência britânica). Os norte-americanos e os britânicos restituíram todo o poder ao Xá Mohammad Reza Pahlavi, que era visto como um aliado do ocidente. Mohammad, por sua vez, adotou um regime mais repressivo, simbolizado pela criação da polícia secreta Savak, em 1957.

A oposição ao Xá reunia diversos grupos sociais, entre liberais, socialistas e o clero islâmico

Criada por Mossadegh, a NIOC foi mantida e, em termos desiguais, ocorreu a redistribuição das divisas entre o Irã e o consórcio multinacional (norte-americano, britânico, francês e holandês), que controlava a exploração. Mas a criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC), em 1960, gerou na década de 1970 uma mudança na postura do Irã e dos demais países produtores, que passaram a buscar maiores ganhos com sua produção.

CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES

Depois do fim da Guerra Fria, teorias como a do “Fim da História” e a do “Choque de Civilizações” surgiram para tentar explicar como seria o mundo despolarizado

Com o fim da Guerra Fria, muitas foram as hipóteses construídas para interpretar o sistema internacional pós-bipolaridade, como as do “Fim da História” e do “Choque das Civilizações”. Faces opostas da mesma moeda, essas interpretações analisadas respectivamente pelos cientistas políticos norte-americanos Francis Fukuyama, em 1989, e Samuel P. Huntington (recentemente falecido), em 1993, percebiam o mundo pelo prisma da cooperação e da confrontação. Originalmente, as obras desses autores foram escritas na forma de artigos, publicados nas conceituadas revistas do establishment norte-americano The National Interest e Foreign Aff airs, e, posteriormente, ambas foram editadas e deram origem aos livros O fim da história e o último homem, de Fukuyama, e O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem mundial, de Huntington.

Enquanto Fukuyama avaliou a queda do muro de Berlim como um momento de disseminação e universalização da democracia e do capitalismo liberal, Huntington previu a substituição do conflito político-ideológico pelo civilizacional, com linhas de fratura religiosas e culturais, opondo “o ocidente e o resto”. O “resto” era apresentado como o mundo islâmico e se pregava a necessidade de unir o oeste para combater este suposto inimigo. Quando lançada, mesmo conquistando diversos adeptos, que desde 1979 alertavam para o “risco islâmico”, a visão não se tornou dominante (no Irã, inspirou o “Diálogo das Civilizações”, em 1997). A tese ressurgiu com força em 2001, com os atentados às torres do World Trade Center, e instrumentalizou o medo para justificar o combate ao terrorismo fundamentalista, prioridade do governo George W. Bush que, todavia, negou repetidamente a associação entre a prevenção e o choque.

ARQUIVO CIÊNCIA E VIDA

Imagem de 1961 mostra a construção do muro de Berlim, símbolo máximo da Guerra Fria 

A REVOLUÇÃO BRANCA E A “GRANDE CIVILIZAÇÃO DO IRÔ

Em 1963, mais uma crise abalou o Irã: a Revolução Branca, uma tentativa de Mohammad Pahlavi de modernizar o país, que incluía a reforma agrária e o voto feminino, aprofundou a secularização e ocidentalização. Por causa dessas medidas, o Xá ficou conhecido como o “inimigo do Islã”. As relações com as potências anglo-saxãs, em particular os EUA, cresceram. Até mesmo de Israel o Irã se aproximou. Porém, a voz dos clérigos levantou-se, com inúmeros protestos na cidade sagrada de Qom, além de greves gerais violentamente reprimidas. O movimento foi comandado pelo Aiatolá (o mais alto dignatário na hierarquia religiosa islâmica) Ruhollah Khomeini (1900- 1989), que acabou sendo preso e exilado de 1965 a 1978, no Iraque (e um breve período na França).

Depois desses conflitos, o Irã viveu relativa estabilidade devido ao aumento dos preços do petróleo por conta da OPEP. Outros setores industriais expandiram-se gerando urbanização e crescimento populacional, sem correspondente melhora nas condições de vida. O sistema manteve- se fechado e o projeto do Xá, de modernização e fortalecimento, amparado pela compra de armamentos norte-americanos e a política pró-regimes autoritários do presidente norte-americano Richard Nixon (1913-1994), da década de 1970, somente acentuava as contradições internas. Os EUA toleravam durante a bipolaridade abusos aos direitos humanos, desde que o país fosse definido como aliado e “pilar da estabilidade regional”.

O Xá vislumbrava a construção da “Grande Civilização do Irã”: o maior poder do Oriente Médio e quinta maior potência econômica do mundo. Um dos marcos da irracionalidade foi, em 1971, a gigantesca celebração em Paris em homenagem à dinastia Pahlavi, enquanto a população carecia de salários, infra-estrutura e serviços básicos de educação, alimentação e saúde. A situação agravou-se com a primeira crise do petróleo, em 1973, tendo como um de seus fatores a guerra do Yom Kippur (dos Estados árabes contra Israel), o declínio dos EUA e a recessão das economias desenvolvidas. Essa política encontrou seu limite entre 1976 e 1977, com a crescente oposição da população e a perda de apoio dos EUA. Jimmy Carter, presidente dos Estados Unidos entre 1977 e 1981, reverteu as políticas de Nixon, privando o Irã de ajuda. Nesse meio tempo, o estado de saúde do Xá piorou com a posterior confirmação de seu câncer. Nesse contexto caótico, abriu-se o caminho para a revolução.

OS DEFENSORES DA LIBERDADE

Para evitar o avanço do comunismo sobre os países então chamados de “terceiro-mundo”, os Estados Unidos financiaram grupos guerrilheiros, como o Talibã

ARQUIVO CIÊNCIA E VIDA

Uma das táticas mais polêmicas dos EUA durante a Guerra Fria foi o apoio a grupos anticomunistas, independentemente de sua orientação, retrógrada ou agressiva, visando ao enfraquecimento da União Soviética. Os talibãs, os contras na Nicarágua, as guerrilhas de direita em Angola e Moçambique foram algumas das forças insurgentes patrocinadas, definidas como “defensoras da liberdade”. O idealizador dessa postura foi o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos durante o governo de Jimmy Carter, o polonês Zbigniew Brzezinski, que durante a campanha eleitoral de 2008 foi um dos conselheiros do atual presidente democrata Barack Obama. No caso do Oriente Médio, Brzezinski o definia como “Arco das Crises”, estratégico por suas reservas de petróleo.

Na época do governo Carter, no Afeganistão do Talibã, Bin Laden foi aliado dos EUA para, depois, tornarse seu principal inimigo, responsável pelos atentados de 11 de setembro, à frente da Al-Qaeda. Na administração Reagan, essa política gerou o escândalo Irã-Contras. Inicialmente, o plano era patrocinar forças iranianas moderadas contra Khomeini, mas o projeto fracassou e foi redirecionado à obtenção de recursos financeiros para ajudar os “contras” nicaragüenses, que lutavam contra o presidente socialista Daniel Ortega. Negados pelo Congresso, os recursos para arcar com essas políticas saíram da venda secreta e ilegal de armas ao Irã, em guerra com o Iraque (a quem os EUA igualmente repassavam armamentos). Membros da equipe de Reagan foram denunciados e condenados, mas, na administração seguinte, de George H. Bush (vice de Reagan na época), receberam perdão presidencial.

 

CICLO REVOLUCIONÁRIO

O seqüestro na Embaixada dos Estados Unidos em Teerã, gerou protestos no mundo todo. Na imagem, homem norte-americano, em Washington, segura cartaz com os dizeres: "Deportem todos os iranianos. Saiam do meu país"

O seqüestro na Embaixada dos Estados Unidos em Teerã, gerou protestos no mundo todo. Na imagem, homem norte-americano, em Washington, segura cartaz com os dizeres: "Deportem todos os iranianos. Saiam do meu país"

Em 1978, a deterioração da situação social, política e econômica era patente e o governo intensificou sua ação antioposição. A cidade iraniana de Qom foi palco de manifestações contra o Xá, que terminaram com mais de mil mortos. Em setembro, na capital Teerã, ocorreu mais uma violenta repressão, que ficou conhecida como Sexta-Feira Negra (reivindicação contra o regime do Xá). Além das constantes reclamações populares, greves gerais minavam a sociedade e as finanças iranianas.

A oposição ao Xá reunia diversos grupos sociais, entre liberais, socialistas e o clero islâmico, cuja influência crescia exponencialmente sob a liderança do exilado Aiatolá Khomeini. Dentre os opositores ao Xá, encontravam-se os mujahedin (combatentes que praticam a Jihad, a luta islâmica) e a guerrilha Fedayin-e-Khalk (de ideologia marxista e islâmica) e a burguesia (bazaar). O clero islâmico supria com seu discurso e o carisma populista de Khomeini, elemento unificador que faltava e que mesmo os religiosos moderados apoiaram.

Do rural ao urbano, o projeto islâmico era simbolizado pela autonomia política e a recuperação da identidade e orgulho a partir da religião. Os vícios ocidentais e da modernidade seriam superados pela adoção da sharia (lei islâmica), permitindo a construção de uma sociedade mais justa, que respeitasse os preceitos fundamentais do Islã amparados pelo Alcorão. De acordo com o plano islâmico, o Irã não seria mais explorado, tornando-se responsável por seu destino e recursos estratégicos.

Isolado, o Xá deixou o Irã em janeiro de 1979, falecendo pouco tempo depois no exílio. Em uma tentativa de contornar a crise, o país foi deixado sob o comando do então primeiro-ministro Shapour Bakhtiar (1915-1991). Porém, a tentativa de manter a mesma administração da dinastia Pahlavi falhou e, em fevereiro de 1979, o retorno do Aiatolá Khomeini do exílio significou o fim do antigo regime.

O IRÃ DA REVOLUÇÃO

De fevereiro a abril de 1979, quando foi proclamada a República Islâmica do Irã, o país enfrentou diversas convulsões internas. Enquanto as forças tradicionalistas lideradas pelo Aiatolá Khomeini possuíam uma visão clara do poder, de acordo com as normas do Islã, os demais setores dividiam-se, o que favoreceu os mulás. A indicação do liberal Mehdi Bazargan (1907-1995) ao cargo de primeiro- ministro, com Khomeini como chefe da República Islâmica, representava a dualidade entre o secular e o religioso, superada com o crescimento da influência de Khomeini e a saída de Barzagan do poder, em novembro, por conta da invasão da embaixada norte-americana e a crise dos reféns (Bazargan foi substituído por Bani-Sadr, que ficou pouco tempo no cargo, sendo sucedido por Ali Khamenei entre 1981 e 1985). A invasão da Embaixada representou o rompimento das relações diplomáticas bilaterais EUA-Irã, prolongando-se por 444 dias – na ocasião da invasão, pessoas que estavam na embaixada foram feitas reféns e liberadas somente em 1981.

Naquele período, intensificou-se a repressão e partidos como o Tudeh foram banidos. A ascensão de Khomeini ao poder representou a segunda fase da revolução, com a consolidação de sua liderança e do clero, o que refletiu na estrutura de poder, prevista pela Constituição de dezembro de 1979, e nas novas relações internacionais.

O GOVERNO DE ACORDO COM A SHARIA

A unidade entre Estado e religião foi formalizada na subordinação de todo o sistema social, político e jurídico pós-revolucionário ao Líder Supremo. O Líder Supremo, que era Khomeini, atuou como chefe de Estado e autoridade religiosa máxima (faqih). Sob sua responsabilidade, encontravam- se tarefas do Executivo, como a condução da política externa e interna, o comando das Forças Armadas, a declaração de guerra ou a paz e o controle da mídia. Ao presidente da República coube a política econômica, com o cargo definido como o segundo mais importante, seguido pelo Parlamento. Ambos eram eleitos pela população, mas subordinados ao líder.

Os desígnios da vida social, política e jurídica passaram a ser definidos pelo Líder Supremo de acordo com a sharia, o que indica a subordinação do Judiciário. O Líder é auxiliado pelo Conselho dos Guardiões, composto por doze juristas – seis deles indicados pelo Líder e outros seis pelo líder do judiciário. O Conselho é um órgão bastante poderoso e ligado ao Líder, com ampla autoridade para interpretar a Constituição e avaliar se as leis são aplicadas de acordo com a sharia. Possui autonomia para examinar, autorizar ou impugnar candidaturas a cargos eletivos, o que é essencial para o controle do sistema. Quando existem disputas entre o Conselho e o Parlamento, essas são julgadas e resolvidas por um órgão especial, o Conselho de Discernimento, também conservador. Deve ser mencionada a Assembléia dos Peritos, composta por membros do clero e que se reúne anualmente. Nas relações internacionais e de defesa, as agências do Conselho de Segurança Nacional e Inteligência são controladas pelo Líder Supremo, composto por um exército regular e a Guarda Revolucionária Islâmica, que possui como tarefa proteger a revolução, assim como o Ministério da Inteligência e Segurança (MOIS).

A partir daí, a sociedade iraniana reorganizou- se, eliminando vestígios do regime do Xá e da ocidentalização. No campo externo, houve uma profunda cisão com o ocidente, em particular com os EUA (considerado como o “Grande Satã”). Os EUA reagiram à revolução de 1979 com a Doutrina Carter, que aumentava sua capacidade de projeção no Oriente Médio, e patrocinaram o processo de paz entre Israel e Egito.

As prioridades externas apresentavam ambigüidades relacionadas à exportação da revolução (sudur-i inqilab), à preservação do Estado e ao petróleo. Inicialmente, um dos objetivos declarados era disseminar a revolução além das fronteiras, o que gerou o temor da “onda verde” (expansão do Islã fundamentalista). Essa política correspondia mais ao mito do que à realidade, uma vez que o Irã não tinha condições materiais ou ideológicas para introduzi-la, e foi substituída pela defesa da soberania. Mesmo com os armamentos adquiridos dos EUA pelo Xá, o exército iraniano e forças de segurança voltavam-se para a garantia do regime com poucos recursos humanos e financeiros. Essas limitações seriam percebidas na Guerra Irã-Iraque, a partir de 1980. No campo ideológico, a visão de um Islã unitário não era compartilhada por todos.

O IRAQUE DE SADDAM HUSSEIN

De aliado a inimigo dos Estados Unidos, o ditador iraquiano foi acusado de ser cúmplice do terrorismo, o que resultou em sua morte por enforcamento

DEPARTAMENTO DE DEFESADOS EUA

Presidente do Iraque de 1979 a 2003, Saddam Hussein (1937-2006) representou um elemento central na estabilidade e instabilidade do Oriente Médio. Inicialmente considerado pelos EUA como um líder árabe moderado e secular, que conteria as expansões revolucionárias da República Islâmica do Irã, Hussein recebeu considerável ajuda financeira e militar norteamericana. Ao desempenhar esse papel, o Iraque ainda conseguiu agregar recursos soviéticos, mas foi incapaz de impor uma vitória decisiva a seus adversários iranianos na guerra de 1980 a 1988. Enfraquecido por quase uma década de conflito, só que poderosamente armado pelas antigas superpotências, o Iraque transitou da cooperação à confrontação com seus aliados.

No vácuo de poder do período pós-Guerra Fria, Hussein buscou conquistar uma hegemonia regional que desagradou abertamente norte-americanos e o mundo árabe, a despeito de suas tentativas de remontar ao nacionalismo e unidade desse povo. Com a invasão do Kuwait, detonou a Guerra do Golfo com os EUA, entre 1990 e 1991, com a nação iraquiana sofrendo pesadas perdas. Preservado no poder, sofrendo restrições e embargos, Hussein manteve-se como inimigo norte-americano, assumindo com os atentados de 2001, ao lado de Bin Laden, a face do terrorismo para o governo George W. Bush. Em 2003, com a invasão do Iraque, Hussein foi destituído pelos norte-americanos, preso, julgado e condenado sumariamente à morte, em 2006. Ocupado militarmente, o Iraque hoje, diferentemente do Irã, é foco de crises e fragmentações, com baixa projeção regional e global.

Imagem de 1953 mostra soldados iranianos em frente ao Parlamento, em Teerã, durante derrubada do governo de Mossadegh pela Operação Ájax, liderada pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha

Imagem de 1953 mostra soldados iranianos em frente ao Parlamento, em Teerã, durante derrubada do governo de Mossadegh pela Operação Ájax, liderada pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha

AS RELAÇÕES DO IRÃ PÓS-REVOLUÇÃO

Soldados iranianos (incluindo crianças) lutam na guerra Irã-Iraque. Foto de novembro de 1982

Soldados iranianos (incluindo crianças) lutam na guerra Irã-Iraque. Foto de novembro de 1982

Mesmo sem exportar a revolução, o Irã ajudava (e ainda ajuda) política e financeiramente aliados que compartilhavam sua agenda. Essa posição fez que o país fosse definido pelos EUA como patrocinador de grupos radicais fundamentalistas (como Hezbollah, no Líbano, e Hamas, na Palestina). Porém, esse papel por vezes é exacerbado, assim como a “onda verde” que fundamentou o “Choque de Civilizações”, de Samuel P. Huntington, no pós-Guerra Fria (ver boxe Choque de civilizações).

Com a Revolução de 1979, houve uma profunda cisão entre o Irã e o ocidente. Os EUA passaram a ser considerados o “Grande Satã”

A URSS também temeu a “onda verde” no Cáucaso e na Ásia Central, o que motivou a intervenção soviética no Afeganistão, em 1979, devido aos talibãs. Ligados à interpretação mais retrógrada do Islã e contrários à presença soviética, os talibãs conquistavam apoios políticos no Afeganistão, mas como grupo de guerrilha, não possuíam condições suficientes para derrotar o governo apoiado por Moscou. No contexto da Guerra Fria, contudo, o Talibã foi apoiado material e financeiramente pelos EUA. Paradoxalmente, enquanto no Irã os presidentes norteamericanos Jimmy Carter e Ronald Reagan esforçavam- se para minar os aiatolás, no Afeganistão os mulás recebiam apoio dos Estados Unidos (ver boxe Os defensores da liberdade).

No Oriente Médio, os países encaravam o projeto iraniano com receio. A Guerra Irã-Iraque é um exemplo. Iniciada pelo Iraque, em 1980, ao romper o acordo prévio de 1975, com relação à exploração conjunta de petróleo na região do Shatt al-Arab, a guerra prolongou-se sem vencedores até 1988, mas impôs pesadas perdas materiais e humanas aos dois lados, agravadas pelo uso de armas químicas por parte do Iraque (ver boxe O Iraque de Saddam Hussein).

Outro fator que limitou a assertividade do Irã foi a necessidade de retomar a exportação de petróleo. Sem poder contar com os EUA, voltou-se aos mercados da Europa Ocidental e Ásia. A NIOC negociava com seus consumidores, não dependendo mais das multinacionais. Em 1979, o sistema viu-se assolado pela segunda crise do petróleo. Pressões adicionais foram o ataque de Israel a um reator nuclear em 1981, as tensões no Líbano e Síria com envolvimento norte-americano e israelense e a Primeira Intifada em 1987. Com os norte- americanos, entre 1986 e 1988, mais momentos de tensão entre forças militares e a derrubada de um Airbus civil iraniano, “por engano”.

Durante esse período conturbado, Khomeini manteve-se como Líder Supremo, com Khamenei na presidência. Em 1989, quando se completou a primeira década da revolução, Khomeini morreu e Khamenei assumiu o posto de Líder Supremo, reforçando o poder do clero, com Hashemi Rafsanjani na presidência, reeleito em 1993. Um episódio que se tornou famoso e antecedeu a morte de Khomeini foi a publicação de um decreto religioso (fatwa), condenando o escritor britânico de origem indiana Salman Rushdie à morte pela publicação do livro Os versos satânicos. Por isso, até recentemente, Rushdie esteve sob proteção dos serviços secretos britânico e norte- americano.

Para Bush, o Irã faz parte do "Eixo do mal", ao lado do Iraque e da Coréia do Norte

Para Bush, o Irã faz parte do "Eixo do mal", ao lado do Iraque e da Coréia do Norte

Entre 1990 e 1991, a Guerra do Golfo, que envolveu o Iraque e os EUA, criou um novo impasse. Para o Irã, a presença norteamericana era percebida como ameaça e, no pós-Guerra Fria, o país e o Iraque passaram a ser classificados como Estados bandidos (detêm políticas agressivas e não cumprem as regras internacionais). Na administração de Bill Clinton (de 1993 a 2001), a política aplicada foi a “Dupla Contenção” Irã-Iraque, com reforço do embargo. Mas, a essa época, algo já mudava no Irã.

KHATAMI PRESIDENTE: NOVA REVOLUÇÃO?

Perto de completar sua segunda década, em 1999, a Revolução Iraniana entrou em um processo de renovação. A participação popular democrática e o acesso à educação constituíam-se em pilares de mudança que se chocavam com o baixo desenvolvimento econômico e o tradicionalismo. Desse embate, emergiu, com a vitória de Mohammad Khatami nas eleições presidenciais de 1997, uma voz reformista que se não desejava o retorno pleno do alinhamento ao ocidente, buscava um Irã moderno. O avanço se consolidou nas eleições de 1999 (municipais e legislativas) e na reeleição de Khatami, em 2000. Os votos provinham do eleitorado feminino, jovens, intelectuais e profissionais liberais, de foco urbano. Com quase 70 milhões de habitantes, o Irã é um país com média de idade jovem, 26 anos, com mais de 70% da população na faixa de 15 aos 64 anos, uma geração que mescla os que fizeram a revolução com os que nela nasceram.

Mohammad Khatami, presidente do Irã de 1997 a 2005, em visita a um centro judeu em Teerã. Khatami buscava um país mais moderno e aberto social e politicamente

Mohammad Khatami, presidente do Irã de 1997 a 2005, em visita a um centro judeu em Teerã. Khatami buscava um país mais moderno e aberto social e politicamente

Apesar do apoio, os reformistas não conseguiram levar o projeto adiante. A reação dos conservadores gerou endurecimento na aplicação das leis e atuação da polícia religiosa, repressão aos partidos políticos, censura e fechamento de jornais, revistas e associações e a anulação e invalidação sistemática de candidaturas reformistas. Se em 1997, 1999 e 2000 permitiu-se um amplo espectro de candidatos, nos anos seguintes a situação foi diferente.

Khatami falhou em sustentar a abertura social e política diante das pressões. Se parte disso pode ser explicado pela estrutura de poder, outra deriva de certa timidez em fazer uso do apoio popular para pressioná-la. O aprofundamento da crise econômica (inflação, desemprego, dependência do petróleo) representou fator de debilidade. O projeto externo, o “Diálogo das Civilizações” (em oposição ao “Choque”), não se completou. >> Kathami chegou a ser chamado de “Gorbachev do Oriente Médio”, mas, diferentemente do exlíder soviético, as respostas ocidentais foram tímidas, principalmente dos EUA (levantamento parcial do embargo e leve descongelamento).

As tentativas de reaproximação foram interrompidas por George W. Bush, que, com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, intensificou suas acusações contra os países islâmicos. Em 2001, com a guerra do Afeganistão, em 2002 com a inclusão do Irã no “Eixo do Mal” e a Doutrina Bush e, em 2003, com a guerra do Iraque, acentuou-se a preocupação iraniana com sua autonomia e soberania: o país sofria um “cercamento”. Em 2005, todos esses fatores culminaram com a eleição de Mahmoud Ahmadinejad, apoiado pelo Líder Supremo Khamenei, atual presidente.

O atual presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, governa o país de maneira populista e nacionalista. Sua atitude mais famosa no ocidente é insistir no enriquecimento de urânio

O atual presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, governa o país de maneira populista e nacionalista. Sua atitude mais famosa no ocidente é insistir no enriquecimento de urânio

PASSADO E FUTURO

A presidência de Ahmadinejad é exemplo das contradições que permanecem no Irã. Ahmadinejad esteve na linha de frente da revolução de 1979 e é apontado pelos norte-americanos como um dos responsáveis pelo episódio do seqüestro na Embaixada. Ahmadinejad é um presidente que representa os conservadores e o tradicionalismo, mas que não pode impedir que, mesmo alijados da presidência e do parlamento, os reformistas mantenham sua influência e presença. Interrompida, mas não encerrada, a “revolução” de Khatami permanece latente.

Além do programa nuclear, o Irã desenvolve parcerias estratégicas com a China e a Venezuela

Externamente, o Irã recorreu ao programa nuclear para reforçar-se, em uma postura que soa agressiva, só que simultaneamente é defensiva. Por conta disso, o país tem sido objeto de diversas inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Outra válvula de escape são as parcerias estratégicas com a China e a Venezuela de Hugo Chávez, com seu discurso antiimperialista e antiamericano, que tenta reativar o Movimento Não-Alinhado, assim como a retomada de um relacionamento mais próximo com a Rússia pós-soviética.

Por meio dessas alianças, o Irã tenta preservar- se e, apesar das pressões, desempenhar um papel importante no Oriente Médio que, pela geografia, recursos e história, deveria ser de estabilidade. Mas globalmente, entre as demais populações e países islâmicos, estabilidade novamente deveria ser a chave: para isso, não só o mundo, mas também o Irã necessitam encontrar um equilíbrio. A Revolução Iraniana pode ser vista, em vez de um movimento religioso, como um ato político, um repensar entre modernidade e tradição.

IRÃ LINHA DO TEMPO

1903 – Descoberta de petróleo e concessão de exploração aos britânicos

1906 – Revolução Constitucionalista contra poderes monárquicos e a exploração estrangeira do petróleo. Criação do Majilis (Parlamento) e limitação dos poderes monárquicos

1907 – Divisão da Pérsia em Zonas de Influência entre Grã-Bretanha e Rússia

1921 – Encerramento da dinastia Kajar e golpe de Reza Khan Pahlavi. Começa o processo de ocidentalização (banimento do véu) e tensões religiosas

1932/1933 – Pressões internas iranianas para a revisão das concessões britânicas para exploração de petróleo

1935 – Mudança do nome de Pérsia para Irã (APOC transforma-se em AIOC – Companhia Anglo- Iraniana de Petróleo)

1941 – Ocupação britânica e soviética durante a Segunda Guerra Mundial. Abdicação do Xá em favor de seu filho Mohammad Reza Pahlavi

1946 – Crise com a União Soviética. EUA pressionam e conseguem a retirada. Um dos marcos iniciais da Guerra Fria

1951 – Início do governo de Mohammad Mossadegh. Nacionalização da indústria petrolífera. Embargo econômico ao Irã provocado pela Grã- Bretanha e EUA

1953 – Derrubada do governo de Mossadegh pela Operação Ajax, liderada pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha; o Xá Mohammad Reza Pahlavi volta ao poder

1960 – Criação da OPEP

1963 – Revolução Branca. Prisão do líder do movimento, o Aiatolá Khomeini

1964 – Libertação e exílio de Khomeini no Iraque

1972/1976 – Aprofundamento dos laços bilaterais Irã-EUA durante governo Nixon. Irã recebe armas e ajuda para se tornar o principal poder militar na região

1973 – Primeira Crise do Petróleo

1978 – Do Iraque à França, Khomeini lidera os primeiros movimentos revolucionários contra o Xá; intensificação da crise econômica e da repressão à oposição

1979 – O Xá deixa o país e segue para o exílio, em janeiro, transferindo o poder ao primeiro-ministro Shapur Bakthiar

Fevereiro – Retorno de Khomeini ao país

Abril – Proclamação da República Islâmica do Irã

Novembro – Invasão da Embaixada dos EUA. São feitos 64 reféns

Dezembro – Ratificação da Nova Constituição. Estabelecimento da autoridade religiosa máxima do Líder Supremo, baseada na sharia

1980 – Início da Guerra Irã-Iraque (1980/1988)

1981 – Libertação dos 64 reféns norte-americanos; ataque ao reator iraniano Osirak por forças israelenses; uso de armas químicas pelo Iraque na Guerra; solidificação do poder de Khomeini com violenta repressão interna; presidente Bani Sadr é destituído. Rajai é indicado como presidente, mas é assassinado em disputas políticas internas com as forças socialistas. Sobe ao cargo Ali Khamenei

1982/1984 – Crise nas fronteiras de Líbano e Síria envolvendo Israel, Irã e os EUA

1986/1988 – Crises entre forças militares iranianas e norte-americanas no Golfo Pérsico

1989 – Khomeini morre em junho e é substituído por Ali Khamenei como Líder Supremo, mantendo os conservadores no poder. Eleição do presidente Hashemi Rafsanjani (reeleito em 1993)

1990/1991 – Guerra do Golfo (Iraque X EUA)

1995/2000 – Embargo comercial dos Estados Unidos

1997 – Eleição do presidente reformista Mohammad Khatami

1999 – Vitória Reformista nas eleições municipais

Kathami visita a Itália – primeira visita ao ocidente de um líder iraniano em duas décadas

Início do lento processo de descongelamento bilateral EUA-Irã, comandado por Madeleine Albright, então Secretária de Estado norteamericana. Diminuição de sanções sobre o país (alimentos e medicamentos)

Começo da ofensiva tradicionalista contra reformistas, protestos reformistas contra o aumento da censura

2000 – Vitória reformista nas eleições parlamentares; continuidade do descongelamento entre relações bilaterais EUA-Irã

Albright reconhece oficialmente a participação dos EUA no golpe contra Mossadegh, em 1953

Por meio de Khamenei, os conservadores expressam seu desagrado com a reaproximação do ocidente

2001 – Reeleição do presidente Mohammad Khatami

Presidente Bush pára o processo de descongelamento

Ataques ao World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro

Acordo militar Irã-Rússia

Programa nuclear iraniano é denunciado pela CIA, assim como o patrocínio do terrorismo internacional armado

2002 – EUA denunciam o Irã como membro do “Eixo do Mal”, ao lado do Iraque e da Coréia do Norte; repúdio norteamericano ao programa de enriquecimento de urânio iraniano

2003- Invasão norteamericana ao Iraque; construção de reatores nucleares iranianos em Natanz e Arak; EUA consideram invadir o Irã; AIEA não declara o Irã em violação com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares

2004 – Tradicionalistas vencem eleições parlamentares; reformistas não conseguem concorrer: desqualificação de candidatos, fechamento de partidos e mídias livres; resolução da ONU condena as atividades nucleares secretas do Irã. Crise nuclear se intensifica

2005 – Junho: vitória de Mahmoud Ahmadinejad nas eleições presidenciais; Irã anuncia que não abdicará de enriquecimento de urânio para fins pacífico e energético (apoio russo e chinês); ameaça do uso da força pelos EUA. Em agosto, a AIEA declara o Irã em violação com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares

2006 – Condoleezza Rice, Secretária de Estado norte-americana, diz que o Irã é o maior inimigo dos Estados Unidos; oferta de conversações diplomáticas sobre o Iraque é recusada pelos EUA, que acusam o Irã de patrocinar milícias xiitas; continuidade do programa nuclear iraniano e pressões por parte dos EUA e da UE

2007 – Agravamento da situação iraquiana leva a conversações entre EUA e Irã

Março – Embaixador norte-americano Zalmay Khalilzad e diplomatas iranianos encontram-se na cúpula dos vizinhos do Iraque

Setembro – Ahmadinejad anuncia que três mil centrífugas estão enriquecendo urânio. Khamenei sugere que Bush seja julgado por crimes contra a humanidade por causa da operação no Iraque

Dezembro – Relatório da CIA afirma que o Irã parou de produzir armas em 2003, ainda que tenha continuado a enriquecer urânio. Rússia fornece combustível nuclear às usinas e pressiona Irã para encerrar seu programa de enriquecimento de urânio

2008 – Janeiro – Khamenei menciona a possibilidade de reativar relações diplomáticas com os EUA; Bush continua afirmando que o Irã é o país que mais patrocina o terrorismo internacional; surgem hipóteses de reabertura de embaixada dos EUA no Irã

2009 – Prosseguem os ataques israelenses à Faixa de Gaza, iniciados em dezembro de 2008

REFERÊNCIAS 
BRAUDEL, Fernand. A history of civilizations. NY, Penguin Books, 23rd ed, 1995
COGGIOLA, Osvaldo. A revolução iraniana. São Paulo, Ed. Unesp, 2007
HALLIDAY, Fred. Islam and the myth of confrontation. London/ NY I.B Tauris, reprint, 2003 HUNTINGTON, Samuel P. O choque das civilizações. SP, Objetiva, 1997
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Oriente Médio e Afeganistão- um século de conflitos. Porto Alegre, Leitura XXI, 2002

CRISTINA SOREANU PECEQUILO é professora de Relações Internacionais da Unesp, pesquisadora associada do NERINT/UFRGS e colaboradora do site Mundorama. Autora de A política externa dos Estados Unidos (2ª ed. 2005, Ed. UFRGS) e Introdução às relações internacionais (5ª ed., 2007, Ed.Vozes).


Fonte: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/17/artigo125488-1.asp

O Corão, o Turbante e o Fuzil


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Aiatolá Khomeini, líder da revolução iraniana de 1979

A Revolução Iraniana de 1979 é a matriz do renascimento do fundamentalismo islâmico, seja de inclinação xiita ou sunita, no Oriente Médio e na Ásia Central. Desde 1979, com a derrota das forças do Xá da Pérsia e a ascensão do aiatolá Khomeini, uma visão mais estreita, teocrática, xenófoba e antimoderna passou a imperar na região inteira. A vitória das massas iranianas, desarmadas, sobre um exército poderoso, municiado e treinado pelos Estados Unidos, infundiu uma notável confiança nos setores mais atrasados das sociedades islâmicas. Se tal feito era impensável, a vitória do movimento liderado pelos fundamentalistas alterou radicalmente as perspectivas. De minoritários, eles passaram a ser predominantes, tendo como inimigos os governos islâmicos que se propõem a colaborar com o Ocidente ou com a Rússia, e no fronte externo contra Israel, os Estados Unidos, a Rússia e a Índia.

A Revolução Iraniana

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Um bilhete ameaçando o exército do Xá

Foi enorme o entusiasmo provocado no povo persa pela chegada do aiatolá Ruhollah al-Khomeini a Teerã, em seguida à fuga do Xá Reza Pahlevi, em 16 de janeiro de 1979, o ditador que governara o Irã de maneira implacável. O exército dissolveu-se, assim como a Savak, a polícia secreta, e a Majlis, a assembléia dos deputados que sustentavam o regime deposto. Todo o sistema politico-militar iraniano, apoiado pelo Ocidente desde 1953, ruíra


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A queda do Xá Pahlevi em 1979

como um castelo de cartas, assombrado pela fúria das multidões que saíram às ruas de Teerã, pedindo a cabeça do Xá. Porém a euforia durou pouco. A luta eclodiu entre as várias agrupações de esquerda e os líderes religiosos. Não demorou para que a balança se inclinasse para os aiatolás, os guias espirituais do povo iraniano. Enquanto isso, a sociedade era varrida de cima a baixo de todos os símbolos que podiam identificá-la com “os valores do ocidentais”.

A guerra iraqui-iraniana

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Ofensiva iraquiana de 1980

Aproveitando este momento de confusão e desordem generalizada, o ditador iraquiano Saddam Hussein, apoiado pelo Ocidente, decidiu atacar o Irã, em setembro de 1980. Foi talvez a pior decisão da sua vida. A intenção dele de fazer um guerra curta, extremamente móvel, com tanques e aviões, que lhe proporcionasse “estar em Teerã em três semanas”, como ele assegurara aos norte-americanos,


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Saddam Hussein tentou substituir o Xá

revelou-se uma trágica fantasia. Nos dez anos seguintes, até 1989, iraquianos e iranianos travaram uma mortífera guerra de fronteiras que produziu milhares de mortos. Além de invadir o Irã para recuperar alegados direitos históricos sobre o canal Shatt al Arab, Saddam Hussein procurou aparecer ao mundo sunita e ocidental como uma barreira à expansão do fundamentalismo xiita sediado em Teerã.

Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/turbante.htm

REVOLUÇÃO IRANIANA

1979

Quando especialistas da CIA escreveram um relatório em setembro de 1978 sobre a saúde política do regime monarquista pró-ocidental no Irã, eles concluiram que apesar do seu governo autocrático, o Xá presidiu uma dinastia estável que duraria pelo menos mais uma década.

Meros quatro meses depois, ele foi forçado a fugir de uma revolução popular que derrotou um dos regimes mais viciados no planeta. Sua polícia secreta, a forte SAVAK com 65 mil policiais, tinha penetrado em todas as camadas da sociedade, esprestando e “refinando” as medidas perversas da Gestapo. Até o ditador chileno Pinochet mandou seus torturadores para treinar em Teerã.

Apesar desses obstáculos colossais, os trabalhadores depuseram o Xá e colocaram em início um processo revolucionário que iria aterrorizar tanto os regimes reacionários do Oriente Médio como também as forças imperialistas no Ocidente. E, não menos importante, esse levante popular alarmou a burocracia stalinista na União Soviética, que estava engajada em um lucrativo acordo com o Irã.

Porém, os trabalhadores não seriam os beneficiários de sua revolução quando o poder passou do Xá para as mãos dos islâmicos de direita liderados por Ayatollah Khomeini.

Com três anos, todas as leis seculares foram declaradas sem sentido e vazias. Códigos de vestimenta feminina foram fortalecidos através de uma severa interpretação dos costumes islamicos. 60 mil professores foram demitidos e milhares de trabalhadores opositores foram mortos ou presos. O Partido Comunista Iraniano, o Tudeh, que abraçou entusiasticamente Khomeini em seu retorno do exílio em 1979, foi banido em 1983.

Ânimo Revolucionário

Um regime totalitário mantem-se através do terror e da opressão e obtem sucesso enquanto as massas permanecem medrosas e inertes. Mas o horror da vida diária finalmente traz a revolta. Uma vez que a classe trabalhadora perde seu medo do regime e põe-se à ação, a polícia secreta e todo o seu terrível aparato se mostra, geralmente, impotente.

Manifestações ilegais das massas envolveram o Irã entre outubro de 1977 e fevereiro de 1978. Demandando direitos democráticos e a partilha da riqueza do país, os estudantes, e posteriormente a classe trabalhadora, desafiaram os tiros na rua. Seguindo o alvejamento de centenas na cidade sagrada de Qom em Janeiro de 1978, uma greve geral de dois milhões em Teerã propagada para Isfaha, Shiraz e a cidade santuário de Mashad. Faixas pediam por: “Vingança contra o brutal Xá e seus amigos imperialistas americanos”, enquanto outros demandavam: “Uma república socialista baseada no Islã”. Reforçando, os soldados começaram a fraternizar com a multidão, gritando: “Nós estamos com o povo”.

Mesmo a classe capitalista liderada pela Frente Nacional de Mehdi Bazargan, que tinha previamente limitado suas ambições em conseguir de Xá a divisão de poder, foi forçada, no desenvolvimento de uma atmosfera vermelha, a adotar um programa “semi-socialista”.
A revolução iraniana desdobrou-se em um nível superior ao da revolução russa de 1905 com a qual possui vários paralelos. Nesta, as massas inicialmente confiaram seus destinos nos democratas que prometiam fazer o Czar ouvir suas queixas. Agora, no Irã, os apelos podiam ser ouvidos em qualquer lugar e pediam que o Xá deveria ser derrubado.

O funcionalismo público e os bancários tiveram um papel fundamental na exposição das ramificações das riquezas. Escriturários dos bancos abriram os livros para revelar que nos últimos três meses de 1978, um bilhão de libras tinham sido retirados do país por 178 nomeados membros da elite, imitando seu Xá que tinha transferido uma quantia similar para os EUA. As massas furiosas responderam queimando mais de 400 bancos.

Classe, Partido e Liderança

Quando Mohamed Reza Pahlevi, o auto-plocamado descendente verdadeiro do trono “Pavão” de 2.500 anos, desonrosamente abandonou o país em 16 de Janeiro de 1979 pela última vez, sua abdicação foi vista como uma vitória pelos manifestantes. Agora a questão estava na abolição do Estado absolutista e que forma iria tomar o novo Irã.

A classe trabalhadora encabeçou a luta contra o Xá através de manifestações, de uma greve geral de quatro meses e finalmente de uma insurreição nos dias 10 e 11 de Fevereiro. A ordem antiga foi varrida para sempre. Nessa luta ela ficou consciente de seu poder, mas não consciente de como organizar o poder que agora estava em suas mãos.

A revolução testa todas as classes e para a classe trabalhadora a questão chave é se ela possuiu uma direção decidida para fazer da insurreição popular uma construção socialista.

No Irã, a despeito do heroísmo dos trabalhadores, estudantes e juventude, havia uma ausência de uma direção marxista e nenhum partido de massas capaz de tirar as conclusões necessárias do caminho da revolução. Era tarefa de um partido marxista explicar a necessidade para a classe trabalhadora, em aliança com as minorias nacionais e os camponeses pobres, tomar conscientemente o poder estatal em suas mãos e se responsabilizar pelas tarefas de uma revolução socialista.

As maiores forças de esquerda no Irã na época eram o Partido Comunista Tudeh, a guerrilha marxista Fedayeen Khalq e a guerrilha islâmica Mojaheddin. Apesar de desfrutarem de uma grande militância e uma forte estrutura e armamentos, eles sofriam de uma confusão programática. Eles não possuiam uma política independente para a classe trabalhadora, ao invés, procuraram se unir a Khomeini atendendo aos interesses dos cléricos e sufocando um movimento dos trabalhadores independente.

A derrubada da autocracia revelou um vácuo político. Agora, num momento crítico no destino das massas, quando o poder real esteve em suas mãos, o Tudeh demonstrou o objetivo de estabelecer uma “República Muçulmana Democrática”. Isso significa, na realidade, que o Tudeh renunciou o papel de liderança da revolução e, ao invés, seguiu a agenda política dos Mullahs – sacerdotes paroquiais.

A ascensão da direita política islâmica

As relações entre o ocidentalizado xá e a Mesquita Islâmica há muito tempo já eram tensas. Quando o xá desapropriou as terras da Igreja, os cléricos muçulmanos reagiram furiosamente e oraram contra o regime ateu. O líder espiritual dos xiitas iranianos, Ayatollah Khomeini, foi exilado na Turquia e posteriormente Paris, após participar de uma revolta contra expropriação de terras em 1963 quando centenas foram alvejados.

Marx, uma vez, descreveu a religião como “o indício de oprimidos”. Por causa da proibição de todas as organizações oposicionistas a Xá, os oponentes do regime tendiam a se reunir em volta das mesquitas onde eram proferidos sermões radicais. Aos poucos isso foi interpretado como uma luta contra o totalitarismo.

As messagens de Khomeini no exílio eram distribuidas através de fitas cassetes que entravam clandestiamente no Irã em pequenas quantidades. Uma vez lá, elas eram reproduzidas e propagadas.
Khomeini e outros mullahs construiram uma imagem de liberdade e democracia, reivindicando um retorno ao fundamentalismo islâmico puro, livre de todas as influências ocidentais e não-islâmicas que, eles argumentavam, tinham corrompido a cultura e deixado a sociedade perdida.

No economicamente semi-desenvolvido Irã, com grande quantidade de iletrados e mais da metade das pessoas vivendo no campo, as palavras dos Mullahs tornaram-se poderosas fontes de atração para os camponeses, partes da classe média, e mesmo trabalhadores. Enquanto a Frente Nacional buscou compromissos com a dinastia, Khomeini chamou para sua deposição. As massas interpretaram esse chamado para uma República Islâmica como uma república do “povo”, e não dos ricos, onde suas demandas seriam atendidas.

Diante do retorno triunfante do exílio de Khomeini em 1o. de Fevereiro, o Tudeh imediatamente proferiu seu apoio total para a formação do Conselho Revolucionário Islâmico e pediu que ele se junta-se numa Frente Unida Popular.

Revolução e Contra-Revolução

O “duplo poder” prevaleceu em Teerã em Fevereiro de 1979. Os governantes fugiram, enquanto os trabalhadores, que sustentaram as fábricas e refinarias, organizaram comites democráticos de trabalhadores e pegaram as armas das fragmentadas forças armadas.
Khomeini no entanto foi o beneficiário dessa onda revolucionária. Seu movimento, um estranho híbrido que combinou contraditórios e opostos interesses de classe, obteve o apoio das forças seculares e não-clericais pois falava a retórica do populismo radical: uma república islâmica que estaria em favor dos oprimidos contra as tiranias locais e o imperialismo americano.

Os cléricos militantes estavam em posição para “sequestrar” a revolução pos eles eram a única força na sociedade como intenções políticas definidas, organização e uma estratégia prática.
Em 1o. de Abril Khomeini obteve uma vitória arrebatadora em um referendo nacional no qual as pessoas tinham uma simples escolha – República Islâmica: “sim” ou “não”.

No entanto, ele foi forçado a dar passos cuidadosos. Num lado, conflitos estouraram entre a Guarda Revolucionária Islâmica e trabalhadores que queriam manter as armas adquiridas resentemente.
Entretanto Khomeini denunciou aqueles que queriam manter a greve geral como “traidores que nós devemos socá-los na boca”.

Balançando entre as classes, ele simultaneamente fez grande concessões aos trabalhadores. Médicos e transportes gratuitos foram introduzidos, as contas de água e luz foram canceladas e os bens essenciais foram fortemente subsidiadas.

Com os cofres públicos detonados e o desempregos chegando as 25%, os decretos de nacionalização foram aplicados em Julho. Isso foi acompanhado pelo estabelecimento de cortes especiais com o poder de impor a sentença de dois a dez anos de prisão “por táticas desorderas nas fábricas ou agitações de trabalhadores.

Somente gradualmente Khomeini foi capaz de estabelecer sua base de poder. Quando o Iraque invadiu o Irã em 1980 iniciando uma sangrenta guerra que duraria oito anos, as massas reuniram-se na defesa da revolução. Porém, o ânimo revolucionário já havia esfriado.
O Partido Islâmico Republicano estabelecido pelos cléricos do recente Conselho Revolucionário era ligado a pequena burguesia (pequenos capitalistas) e aos comerciantes que queriam ordem e a defesa da propriedade privada.

Enquanto era pressionado pela strata conservadora, Khomeini preparou um golpe contra o imperialismo ocidental, através da nacionalização de setor petrolífero.

O Regime Híbrido

O Estado Islâmico Iraniano é uma república capitalista de tipo especial – um Estado capitalista clerical. Do início, duas tendências opostas emergiram com o clero. Um grupo ao redor de Khomeini argumentavam que IMAMS devem manter o poder através de um Estado capitalista semi-feudal com mumerosos centros de poderes. O imperialismo americano representava o “Grande Satã” em seus olhos e o objetivo era exportar o fundamentalismo islâmico para todo o mundo muçulmano.

Outras figuras de liderança, incluindo uma corrente mais pragmática do clero, queriam estabelecer um Estado capitalista moderno e centralizado. Enquanto mantinham-se resolutos em suas denúncias verbais dos EUA, eles procuraram, especialmente na última década, lançar seus “tentáculos” no ocidente.

Os conflitos entre essas tendências e as crises políticas periódicas que eles acarretaram nunca foram resolvidos e estão, atualmente, revigoradas pelo Ayatollah Khamenei e o presidente reformista Khatami, eleito com uma grande maioria em 1997.

Conclusões

Os eventos no Irã iniciaram o crescimento da militância política do Islã através do mundo muçulmano. Na superfície eles demonstraram o poder das massas em golpear o imperialismo.

Mas os marsxistas devem ser lúcidos. O Islã não é intrinsicamente mais radical ou reacionário que qualquer outra religião e o fundamentalismo islâmico não é um fenômeno homogêneo.

Foram os fracassos passados dos movimentos nacionalista secular árabe e as traições dos partidos comunistas que definitivamente criaram as condições para o surgimento de uma corrente política de direita islâmica. Isso refletiu, no Irã e em outros lugares, o impasse do capitalismo na região e a necessidade para as massas oprimidas em procurar uma saída.

As últimas variantes do islã político ignora mesmo o pouco de radicalismo que Khomeini foi forçado a abraçar nos primeiros meses da revolução iraniana.

O Talibã e os métodos terroristas da Al Quaeda e Osama bin Laden não oferecem solução para os conflitos entre as massas oprimidas pelo capitalismo e pelos oligarcas mas, ao contrário, desintegra a classe trabalhadora rouba dela sua identidade distinta e combativa.
Hoje, 20% dos iranianos têm metade da riqueza do país. A luta de classes regularmente surge. As ridículas leis dos IMAMS geralmente choca-se com os desejos dos jovens em viver em liberdade.

Grandes multidões tomaram as ruas de Teerã para receber o vitorioso time de futebol em 1998. Guardas Revolucionários não conseguiram impedir garotas corajosas de desafiar os códigos restritivos de vestimenta.

Esses são prognósticos dos agitado futuro iraniano. Um novo partido da classe trabalhadora deve ser construido em sólidos fundamentos marxistas, capaz de apreender as razões que levaram a revolução ser tomada dos trabalhadores em 1979.

Com a redução pela metada da exportação de petróleo desde então, a voz da classe trabalhadora tomará a posição dianteira novamente, permitindo que as tarefas incompletas da última revolução sejam vitoriosamente terminadas.

Desenvolvimento Capitalista antes da Revolução

Anteriormente a 1979 o imperialismo via o Irã como uma barreira crucial contra os avanços soviéticos no Oriente Médio e no Sul da Ásia. Suas reservas fabulosas de petróleo eram vitais para o interesse ocidental.

Em 1953 um movimento nacionalista radical liderado pelo primeiro ministro Mosadeq da Frente Nacional tentou nacionalizar as indústrias petrolíferas do país, iniciando manifestações em diversos locais, com características de levantes populares. O Xá foi forçado a se exilar por causa do movimento das massas nas ruas.

A reação do imperialismo foi decisiva. Os britânicos e os americanos pediram a prisão de Mosadeq e mandaram forças clandestinas oara criar confusão e forçar o exército iraniano a lidar com os riscos aos seus rendimentos.

O Xá foi reinstalado e governou o Irã com uma mão-de-ferro por 25 anos. Em seu retorno, todas as organizações políticas de oposição e os sindicatos foram declarados ilegais. As forças de segurança foram reorganizadas com a ajuda da CIA.

Após 1953, o Irã embarcou num período de industrialização frenético, esvaziando o programa econômico da capitalista Frente Nacional e, portanto, distruindo sua popularidade. A idéia era transformar a nobreza em uma classe capitalista moderna, uma classe governante no modelo ocidental.

A reforma agrária foi introduzida enriquecendo os feudais donos de terra. Eles receberam enormes compensações, com as quais eles eram encorajados a investir em novas indústrias.

A exploração cruel

Os principais atingidos foram os caponeses pobres. Mais de 1,2 milhão tiveram suas terras roubadas, levando à fome e a um inexorável exôdo para as cidades onde eles ofereciam trabalho barato para os novos capitalistas.

Antes da revolução, 66% dos trabalhadores da indústria do tapete na cidade de Mashad tinham idade entre seis e dez anos, enquanto que em Hamadam o dia de trabalho era estafantes 18 horas. Em 1977, muitos trabalhadores ganhavam 40 libras ao ano. Apesar de um piso mínimo tinha sido garantido pelo regime, 73% dos trabalhadores ganhavam menos que isso.

As fábricas do Irã se assemelhavam ao “inferno” de Dante e a comparação com a Rússia pré-revolucionária é surpreendente. Em ambas, um súbito processo de industrialização foi iniciado por uma classe capitalista fraca tentando se desvencilhar de uma passado feudal, criando, nas palavraas de Marx, “sua própria cova” através de uma classe trabalhadora militante.

Com a migração dos camponeses para a cidade, a população urbana dobrou e atingir 50% do total. Teerã passou de 3 milhões para 5 milhões entre 1968 e 1977, brotando 40 favelas nas periferias da cidade.

Em 1947 havia apenas 175 grandes empresas empregando 100 mil trabalhadores. 25 anos depois, 2,5 milhões de trabalhadores em manufaturas, um milhão nas indústrias da construção e aproximadamente o mesmo número na indústria do transporte e outras indústrias.

O Irã estava em transição, meio industrializado e meio colonial. Uma vigorosa classe trabalhadora foi forjada em apenas uma geração. Na Rússia a classe trabalhadora atingia apenas 4 milhões num população de 150 milhões. Já armada com o marxismo, eles colocaram-se a frente dos camponeses e em 1917 quebrou o capitalismo em sua ligação mais fraca.

Por comparação, o tamanho da classe trabalhadora no Irã era muito maior – mais de 4 milhões de trabalhadores numa população de 35 milhões.

Nunca invada uma revolução

O imperialismo americano assistiu impotente os últimos dias do XÁ no Irã. Apesar de vozes no Pentágono urgissem que mandassem aviadores e marinheiros para o Golfo, as cabeças mais sábias das classes governantes americanas alertaram “nunca se invade uma revolução popular”.

Além disso, os EUA ainda sofriam dos ferimentos causados no Vietnã. Lá a luta social dos caponeses e trabalhadores para livrarem-se das amarras da opressão fez o superpoder submeter-se a eles.

Uma invasão liderada pelos EUA no Irã teria repercursões em escala global incalculáveis. Especialmente no mundo colonial onde o XÁ era visto, entre todos, o mais podre sobre os olhos das massas. A revolução iraniana fez a América tremer. O presidente americano Jimmy Carter foi humilhado quando os Ayatollahs fomentaram movimentos de rua levando ao tumúltuo na embaixada dos EUA em Teerã que fez 66 reféns.

Em 1983 Ronald Reagan foi forçado a retirar-se do Líbano após as tropas americanas sofrerem perdas através das mãos do Hizbolah, movimento apoiado por Teerã.

O Crescente Hiato

O Irã foi o segundo maior exportados de petróleo em 1978 e o quarto maior produtor. Quando o preço do petróleo quadruplicou entre 1972-1975 como resultado da guerra Arabe-israelense, o PNB iraniano cresceu 34% em apenas um ano. Vários bilhões possibilitaram ao Xá possíveis investimentos.

Mas com 45 famílias possuindo 85% das médias e grandes firmas e os 10% mais ricos consumindo 40% do dinheiro, o hiato entre as classes crescia dia-à-dia.

Mais de um quarto dos iranianos vivendo em extrema pobreza, já expondo a característica arrogância de uma monarquia absoluta, o Xá trovejou em 1976, “Nós não tínhamos pedido auto-sacrifício das pessoas. Antes, nós cobrimos eles em pele de algodão. As coisas agora irão mudar. Todos deveram trabalhar duro e terão de estar preparados para fazer sacrifícios a serviço do progresso da nação”.

Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/revolucao-iraniana/revolucao-iraniana.php

Revolução iraniana mudou mapa político na região, dizem analistas

Trinta anos depois da derrubada do xá, revolução continua a influenciar a região.

A Revolução Islâmica no Irã, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, trouxe profundas mudanças políticas no Oriente Médio que continuam ecoando pela região, segunda a opinião de analistas ouvidos pela BBC Brasil.

O movimento islâmico de Khomeini, que tem seus 30 anos completados nesta quarta-feira, colocou um fim à monarquia iraniana, condenando o xá Reza Pahlevi ao exílio.

Mas a revolução islâmica trouxe outras consequências para o país: uma ruptura com o Ocidente e a hostilidade com os vizinhos árabes.

Depois da revolução, o Irã rompeu suas relações com os Estados Unidos e entrou em uma rota de colisão com os governos sunitas da região do Golfo Pérsico. O resultado imediato foi a guerra com o Iraque (1980-1988), governado pelo sunita Saddam Hussein.

Saddam foi financiado por vários governos árabes e por outros países ocidentais, como os EUA. Mas a guerra não trouxe vencedores e terminou com mais de 1 milhão de mortos.

O regime iraniano sobreviveu mesmo após a morte de Khomeini, em 1989. Mais que isso, a Revolução Islâmica trouxe mudanças no mapa político do Oriente Médio.

O analista paquistanês Iftikhar Hussein afirma que o que aconteceu no Irã foi uma das mais importantes revoluções do século 20.

“Foi a revolução que mudou o curso da história do país e alterou o balanço de forças em uma região dominada por sunitas. Os xiitas passaram a ter maior importância no cenário do Oriente Médio”, disse Hussein por telefone à BBC Brasil.

Para ele, os países árabes continuam receosos de que a revolução iraniana ainda possa inspirar movimentos islâmicos que coloquem em risco seus próprios regimes.

Segundo Hussein, o Irã está no centro das questões do Oriente Médio e a maior herança da revolução hoje é a divisão dos árabes.

“Mesmo entre os regimes árabes, há divisões sobre como lidar com os iranianos. Temos dois blocos, um liderado pelo Catar e Síria, com boas relações com o Irã, e outro encabeçado pelo Egito e Arábia Saudita, alinhados com o Ocidente e hostis aos iranianos”, afirma.

Hussein salienta que, em um cenário em que os EUA lutam para estabilizar o Iraque e o Afeganistão, o Irã tem um “peso político muito grande” que ainda não é compreendido por árabes a americanos.

“O Irã continua hoje forte e ativo na região. Árabes e americanos deveriam investir em mais diplomacia e política com o país”, afirma.

Segundo ele, a Revolução Islâmica no Irã retirou do poder um aliado essencial dos americanos (o xá Reza Pahlevi) e, agora, os EUA deveriam retornar às boas relações com o governo iraniano para voltar a contar com sua ajuda na estabilização na região.

“O Irã tem muito a contribuir com o Iraque pós-Saddam, pois a maioria da população iraquiana é xiita. Uma maior aproximação dos árabes e ocidentais com o governo iraniano traria benefícios à região”, diz Hussein.

O professor Mehdi Sanaei, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Teerã, afirma que a revolução iraniana continua a dar ao país um papel ativo na região.

“Movimentos islâmicos no Oriente Médio se inspiraram no Irã para criar suas agendas políticas, mas não necessariamente uma cópia. O principal foi a ideia de resistência contra uma dominação estrangeira”, disse Sanaei à BBC Brasil.

Para ele, os grupos políticos no Iraque, Líbano e territórios palestinos tiveram uma aproximação natural com o Irã por sua “importância no cenário da região e por ser um dos últimos bastiões de resistências aos EUA e Israel”.

“Vemos o grupo libanês Hezbollah e o palestino Hamas, que perceberam a falta de ação de governos árabes e suas alianças com os americanos. Isso trouxe o Irã como centro de uma ideia de resistência e de apoio político-financeiro”.

Sanaei, no entanto, admite que, embora a revolução continue a afetar o mapa político da região, ela falhou em exportar a totalidade de seus ideais.

“A revolução não chegou para as outras sociedades muçulmanas, mesmo com a simpatia do mundo islâmico pelo aiatolá Khomeini”.

Ele afirma que o motivo para isso foi o afastamento do secularismo do início da revolução iraniana e uma maior ênfase à linha mais dura e teocrática.

Isso, segundo Sanaei, não agradou às sociedades sunitas, mais propensas ao secularismo.

No entanto, outros analistas apontam a relação com o Ocidente e o isolamento iraniano como a maior falha da revolução iraniana.

“Embora haja partidos reformistas que defendem uma maior aproximação, o Irã continuou a ter péssimas relações com muitos países ocidentais”, declarou à BBC Brasil o analista libanês Ibrahim Moussawi.

Ele afirma que este isolamento fez com que Irã tentasse atingir os interesses dos EUA através do financiamento de grupos antiamericanos em diversos países árabes.

“Os EUA e aliados erraram ao isolar o Irã, mas os iranianos também falharam ao reagir com mais radicalismo”, afirma Moussawi.

As ameaças a Israel e as declarações de que o país deveria ser riscado do mapa, feitas pelo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, teriam piorado a situação.

“O uso desta perigosa retórica só prejudicou a imagem do Irã no resto do mundo. O país deveria mudar sua linguagem e mostrar ao mundo que está interessado em estabilidade”, declarou o cientista político Oussama Safa, diretor do Centro Libanês para Estudos Políticos de Beirute.

O programa nuclear iraniano vem sendo o novo foco de disputas entre o país e o Ocidente.

Com mais sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, o Irã desafia a comunidade internacional com a continuidade de seu programa atômico.

Os EUA e aliados acusam o Irã de desenvolver energia nuclear para fins militares, mas o governo iraniano nega e diz que seu programa tem fins pacíficos.

O líder supremo do país, Ali Khamenei, declarou que o Irã não abrirá mão de seu direito à tecnologia nuclear.

O cientista político Oussama Safa, no entanto, diz acreditar que pode haver um diálogo entre o Irã e o governo do novo presidente norte-americano, Barack Obama.

“Depois de anos de uma política conservadora de George W. Bush, o novo governo americano expressou seu desejo de voltar à mesa de negociações com o regime iraniano”, diz.

O Irã está em um delicado jogo entre “suas aspirações para se tornar uma potência nuclear e seu desejo de continuar tendo boas relações com seus vizinhos”, escreveu o analista Mohammad Shakeel, da Unidade de Inteligência Econômica, em artigo publicado em jornais árabes.

Segundo ele, há um medo entre os iranianos de que o país possa ser atacado pelos Estados Unidos ou seu aliado Israel.

“Mesmo com a linguagem desafiadora, o Irã negociaria nos assuntos mais fundamentais, inclusive com o governo de Barack Obama. Isso porque sua relação com os vizinhos do Golfo pesa muito para os interesses iranianos”, enfatizou Shakeel no artigo.

Mas, 30 anos depois, os analistas concordam que a revolução islâmica veio para ficar, apesar das acusações de violações de direitos humanos, perseguições políticas e torturas.

Para eles, uma mudança no Irã viria somente com uma relação mais amistosa com o Ocidente.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,revolucao-iraniana-mudou-mapa-politico-na-regiao-dizem-analistas,321918,0.htm

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